Em
2021, a Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão festejará seus 23 anos
como importante instituição da dança do país. Uma companhia que se considera,
ao lado de outros grupos públicos, como uma usina de arte e uma rede onde se encarnam
possibilidades criativas a nutrir suas plateias, criadores e seus intérpretes.
A obra “Rio Cor de Rosa”, que assistimos
em dança-documentação, com captação de imagens por única e frontal câmera,
constitui-se em uma destas possibilidades. Trata-se duma estreia de 2011, fruto
da criação de oito intérpretes do grupo, a partir de concepção e direção
coreográfica de Clébio Oliveira, que também assina a dramaturgia da obra, ao
lado de Daniela Fusaro.
A concepção deste rio tem foco na
presença do sonho na experiência humana, tendo-se como ponto de partida
questões psicológicas e neurológicas, o que já traz para este laboratório uma
imensa ganha de abordagens. Apesar disto, a obra vai deixando visível a opção
para fechar-se seu foco de origem na atuação de cada um dos intérpretes, cujas
performances vão sendo costuradas pela dramaturgia/direção/coreografia do
trabalho.
A ênfase desta costura recai menos numa
escritura coreográfica e mais em uma interpretação mais emergentemente
expressiva, num possivel equilíbrio entre expressões individuais e a expressão
coletiva, soma das atuações dum grupo de oito artistas. Um desafio imenso a ser
encarado, em busca de um fluxo único de significados, que resta mais em projeto
do que em ato.
Esta proposta, fruto de muitas das estratégias
da dança moderna/contemporânea, explicita-se na cena de uma chorus line dos
interpretes, que, em linha lado-a-lado, seguem do fundo do palco até a boca de
cena, articulando questões corporais em torno do tema, propondo-se como membros
de uma babel que viria a se organizar e se desorganizar ao longo da criação.
Frente a nós, esta babel perde um pouco
de sua especificidade pelo formato de sua documentação. Mas ainda assim,
podemos perceber momentos de um trabalho mais refilado, por exemplo na cena inicial
da obra. Nela uma hesitação do interprete, que oscila entre direções, tanto no
espaço individual de sua corporeidade, como no espaço geral da cena, nos é
manifestada como um ondear entre fora e dentro.
“Fora e dentro” sempre será um binômio muito
presente nos discursos sobre os sonhos, nos quais uma interioridade – lugar de
dentro- presente no dormir, se opõe ao
“lugar de fora”, este mais identificado com os estados de vigília.
Nossos sonhos se apresentam a nós
mesmos, como manifestações inconscientes- posto que de outro tipo de
consciência- sem que sobre elas tenhamos controle e algumas vezes nem
lembrança.
Este descontrole poderia ter sido mais
bem trabalhado na obra resultante deste laboratório-rio? É certo que sim, ainda
que talvez ele se represente em algumas dinâmicas do grupo, por exemplo, quando
os interpretes se agrupam e desagrupam em torno de si.
O nome da obra, rio cor de rosa, aponta
para um fluxo mais ou menos vago (nem branco, nem vermelho) onde desaguam as
experiências de oito afluentes- intérpretes a buscar formas para sonhos
encarnados em dança.
As margens deste rio são o encadeamento que o talentoso e inquieto diretor-dramaturgo dá a estas cenas, onde até mesmo a palavra (sim sonhos costumam ser multimidias) se apresenta. Tal acontece também ao final da obra, quando em black out, ressoam vozes numa língua que é imitação duma fala: um gramelot, neste momento talvez ininteligível para quem dança, para quem assiste e, por vezes, para quem sonha.
* Crítica escrita especialmente para o programa “Semana de Reflexões Críticas/13º Encontro Internacional de Dança Contemporânea” (4 de março de 2021). Natal - Rio Grande do Norte. Crédito da Imagem: Brunno Martins.
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