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Dança brasileira em Lyon França: estudo de uma bienal verde-e-amarela, tese doutorado Cássia Navas |
Se tudo é imensamente
múltiplo, parece bastar a consciência dessa multiplicidade para se aquietarem
as discussões, paralisando-se a indicação dos diferentes, com o conseqüente
eclipse das relações políticas e estéticas que estes diferentes, todos eles
mergulhados num mesmo panorama histórico, estabelecem entre si.
Dentre muitas variantes,
poderíamos tratar a “dança brasileira”, em especial a do século XX, discorrendo sobre uma tríade de
expressões, que, analisadas, podem indicar três tipos de abordagem desse
complexo campo do saber e fazer humano.
A primeira delas: dança no Brasil.
Poderíamos colocar sob essa expressão todas as manifestações coreográficas,
cênicas ou não, que ocorrem no Brasil, dentro de seus limites geo-políticos.
Mais concretamente apontar
para manifestações que ocorrem “em cima” de seu território, sua terra, à qual
poeticamente poderíamos denominar “seu corpo”.
As manifestações
coreográficas, analisadas sob esse ponto de vista, seriam as que ocorrem num
espaço dado, estabelecendo com ele, ou melhor, dizendo, com sua superfície, uma
relação de contigüidade quase epidérmica.
A segunda delas: dança do
Brasil. Ao abrigo desta segunda expressão poderiam estar as danças quepertencem
aos habitantes do Brasil, a partícula do (de + o) sugerindo uma relação de
“posse” ou propriedade, um índice a apontar o fenômeno de domínio ou “pertença”
aos habitantes-artistas de algum lugar.
São obras que foram criadas
por cidadãos de um determinado país ou território, ou mesmo por eles
executadas, quando se tratarem de obras que tenham caído dentro da categoria
“de domínio público” ou que analisadas dentro de contemporâneos parâmetros de
autoria, se constituam re-leituras de criações originais, recaindo-se em
discussões mais sistêmicas da noção de autoria de uma obra coreográfica em si.
A terceira delas: dança sobre
o Brasil. Dentro dessa última possibilidade de classificação estariam abrigadas
as manifestações que de, alguma maneira, buscam traduzir um país chamado
Brasil, não necessariamente encarado em suas características de origem,
formação e contemporaneidade enquanto nação moderna, e sim como uma topologia que
emerge como um locus, em múltiplos processos de construção artística,
instaurados, se verdadeiramente artísticos, com a liberdade necessária às
trajetórias da tradução estética, em algum nível.
Dentro dessa expressão, se
abrigariam balés modernos e obras da dança moderna que se utilizaram de músicas
de compositores do Brasil ou de temáticas relativas a esse universo, cuja
apropriação caracteriza um desejo de tradução de uma idéia específica de nação
ou topus nacional e também obras coreográficas relativas às questões do
nacional-popular, mas não somente.
Também dentro dela poderíamos
incluir uma série de artistas da dança contemporânea que escolhem, a partir dos
anos 80 e de diferentes formas, o país como uma espécie de dramaturgia de
origem, todavia diferenciando as suas trajetórias de muitos dos artistas que os
precederam.
Danças no Brasil: formação e
polarização. Por fim, vale a pena introduzir outras duas questões, quando se
trata da“dança no Brasil do século XX”: 1. A existência de uma dança cênica-profissional
no país anteriormente a esse século. 2. A polarização que atira de um lado os
artistas dos universos da dança popular (de tradição rural ou urbana),
folclórica e do internacional-popular (danças das tribos urbanas do planeta),
resguardando, do lado oposto, os artistas da “dança cênica- profissional”: balé
e balé moderno, dança moderna (em suas diversas manifestações e “escolas”:
Isadora Duncan, Martha Graham, Mary Wigman, Merce Cunningham, etc.),
pós-moderna (postmodern dance), dança-teatro, butô, contemporânea, nouvelle
danse (francesa, belga ou canadense do Québec) e a new dance (pós-postmodern
dance norte-americana).
À primeira questão, uma
resposta: o Brasil do século XX abriga de fato as trajetórias de uma
profissionalização da dança cênica, e um fato importante deste processo é a
primeira escola oficial do país, a Escola do Theatro Municipal do Rio de
Janeiro, aberta em 1927 pela mestra-coreógrafa Maria Olenewa, bailarina russa
da trupe de Anna Pavlova.
A abertura de uma escola
pressupõe que, a partir dela, se inicie a organização e a difusão de
conhecimentos outrora dispersos e que, no processo de transmissão dos mesmos,
novos conteúdos sejam produzidos e/ou criados, no trabalho com sucessivas
turmas de alunos.
Por meio da escola se
estabelecem condições para o exercício de uma profissão, dentro de um
aglomerado urbano, que, por suas condições político-culturais, permite que esta
estrutura seja chancelada, validando-se sua existência, seja ela oficial ou
oficiosa, pública ou privada.
Dessa classificação fogem as
“escolas” que assim se denominam por agrupar adeptos, seguidores ou discípulos
de um mestre ou mestres, ou dos “antigos”, que oralmente e sem a sistematização
de uma “escola moderna”, validada dentro de certa estrutura de um centro
urbano, transmitem seus conhecimentos através da tradição de determinadas
manifestações artísticas, como é o caso de coreografias integrantes de muitas
das festas do país – congadas, reisados, maracatus, ou estruturais de ritos
religiosos, como ocorre no candomblé.
Quanto à segunda constatação,
ela aponta para uma clivagem que longe está de uma mera classificação de
campos, com vistas à facilitação de estudos ou escrituras sobre “dança no
Brasil”.
Entretanto, apesar do
reconhecimento da seriedade dos processos que levam àquela polarização, também
presente na produção de outras atividades artístico-culturais deste país, e das
discussões que devem suscitar dentro de necessários debates mais democráticos
sobre a articulação em si das duas margens, a opção que assumimos neste artigo
foi a de não discorrer sobre essa polarização. A escolha foi, isto sim, a de
enumerar trechos de certos percursos da “dança cênica-profissional no Brasil do
século XX”, com a exemplificação pontual de algumas companhias, grupos,
artistas e estruturas de acolhimento e de apoio à realização, produção e
difusão de suas obras – festivais, teatros, projetos especiais, instituições de
suporte econômico e cultural.
Dentro desse recorte,
transitaremos dentro do universo das danças no Brasil, do Brasil e sobre ele.
Rio de Janeiro e São Paulo. A abertura da primeira escola oficial de dança do
país na cidade do Rio de Janeiro, à época ainda capital da República, vai
marcar a cena da dança carioca pelos procedimentos de formação e criação em
dança ligados ao balé e ao balé moderno.
Este estado de coisas vai
tornar possível uma tradição mais forte do clássico nessa capital, da qual é
símbolo o Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (fundado em 1936 como
Corpo de Baile do Theatro Municipal), pelo qual passaram grande parte das
importantes figuras da dança clássica entre nós, como bailarinos ou como
ensaiadores, professores, diretores artísticos e coreógrafos, além de figuras
da cena internacional.
Dentre elas se destaca a atual
presidente da Fundação do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a professora e
coreógrafa Dalal Achacar, que anteriormente tendo sido diretora da companhia
dessa fundação, nesse cargo foi precedida, entre outros, pela russo-francesa
Tatiana Leskova, cuja carreira é marcada por semelhanças com as de outros
professores do país.
Nascidos na Europa e tendo
iniciado, com destaques de natureza diferente, suas carreiras em companhias de
balé moderno, migraram para as Américas por questões políticas, econômicas e
artísticas, desenvolvendo através de seu trabalho a tradição do balé ocidental,
com as modificações que se fizeram necessárias nas novas topologias para as
quais esse sistema seria atualizado e muitas vezes recriado, em alguns de seus
aspectos.
Nesse naipe de profissionais,
dentro do universo fluminense, temos, além de Leskova e da mestra Olenewa,
Eugênia Feodorova e Nina Verchinina.
A tradição do balé e do balé
moderno, aliada às inovações estabelecidas por esses profissionais, foi
estabelecendo patamares artísticos e educacionais de alta qualidade, fosse
entre seus contemporâneos, fosse através das gerações de alunos formados por
esses artistas imigrantes.
Além dos alunos que seguiram
brilhante carreira dentro do próprio Ballet do Theatro Municipal do Rio de
Janeiro, dentre os quais a figura-símbolo continua a ser a carioca Ana
Botafogo, muitos outros partiram em direção a outros pólos do país, onde até
hoje trabalham para manter vivas suas trajetórias e processos.
Disso são exemplos Yara de
Cunto (Brasília-DF), Dicléia Ferreira (Pelotas-RS), Carlos de Moraes (gaúcho
que se estabeleceria em Salvador, onde atualmente é professor do Balé Teatro
Castro Alves) ou Flávia Barros, que durante certo tempo trabalhou em Recife,
estabelecendo interessantes patamares profissionais para a área.
A estruturação do Rio de
Janeiro como um pólo de balé parece ter dificultado a instauração de uma mais
forte tradição do moderno, ainda que não tenha obstado o aparecimento de todo
um movimento de dança contemporânea nos 90, no qual se destacam Márcia Milhazes
e Deborah Colker, artista brasileira a quem foi concedido o Laurence Olivier
Awards (2001).
Dentro desse movimento, também
temos João Saldanha, Rubens Barbot, Paula Nestorov, Paulo Caldas e Ana Vitória,
sendo que as criações desse conjunto de artistas passam a ser acolhidas, a
partir de 1991, no Panorama da Dança Contemporânea (atual Panorama RioArte de Dança),
dirigido pela também coreógrafa Lia Rodrigues.
Além deles, o auxílio
dispensado a certos artistas da cidade pela Secretaria Municipal de Cultura
promove o fortalecimento de outros criadores do contemporâneo do final dos anos
70 e década de 80, como são exemplos Carlota Portela e Regina Miranda, que em
sua modernidade tinham sido precedidas pelo trabalho de formação de Lourdes
Bastos, Angel Vianna e da uruguaia Graziela Figueiroa (fundadora do Grupo
Coringa), entre outros.
Uma trajetória diferente em
dança marcaria São Paulo, uma cidade que nasce e cresce sob o signo da
modernidade do século XX e, por isso, constitutiva de um meio ambiente propício
para a fixação de determinadas trajetórias modernas, como as de professoras européias
diretamente vinculadas às construções da modernidade em balé, como Kitty
Bondeheim, e da modernidade em dança, como Chinita Ullman (aluna de Mary
Wigman), Renée Gumiel, Maria Duschenes e Vera Kumpera.
Por outro lado, São Paulo vê
nascer em 1954, dentro das comemorações dos quatrocentos anos da cidade, o
Ballet IV Centenário (1954- 55), a primeira companhia brasileira a se
estabelecer em patamares profissionais compatíveis com os grupos de balé
moderno do mundo ocidental. Dirigida pelo húngaro Aurélio Milloss, reuniu
artistas da dança e das artes, para um tempo de trabalho infinitamente exíguo,
tendo sido abortado o seu projeto por decreto municipal.
Os bailarinos da companhia,
tentando levar a experiência adiante, fundaram e integraram alguns grupos de
curta duração, dentre eles o Ballet do Museu de Arte (1955), o Ballet do Teatro
Cultura Artística (1957), o Ballet Amigos da Dança (1958), o Ballet
Experimental de São Paulo (1962) e o Sociedade Ballet de São Paulo (1969).
Do elenco do IV Centenário, destacam-se
grandes nomes da dança do Brasil, como Ady Addor, Neide Rossi, Ruth Rachou,
Ismael Guiser e Marika Gidali, que junto com o mineiro Décio Otero, que como
ela também dançara no Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, funda o
Ballet Stagium (1971), companhia marco do país.
A principal característica do
Stagium, além do trabalho no quadro de uma “dança sobre o Brasil”, é a de
pioneiramente ter pensado a dança e uma política para ela como uma proposta de
cidadania, tanto para quem a faz quanto para quem a assiste, em estratégias
concretizadas em projetos como o Professores Criativos, o Teatro-Escola, o
Stagium na Febem e o REDE Stagium, centro de referências e de apoio à dança.
A tradição das companhias de
balé moderno instaura-se forte na cidade, a ponto de um grupo pensado e
construído para ser um conjunto mais voltado para a dança clássica, o Corpo de
Baile Municipal (1968), dirigido por Johnny Franklin e oriundo da Escola Municipal
de Bailados (também fundada por Maria Olenewa e consolidada por Vaslav Veltchek
e Marília Franco), ter-se transformado, em 1974 e sob a direção de Antônio
Carlos Cardoso, em Balé da Cidade de São Paulo, numa empreitada realizada junto
com Iracity Cardoso, atual diretora da companhia da Fundação Calouste
Gulbenkian (Lisboa).
A partir desse ano, a
companhia pública paulistana sofre uma transformação semelhante ao que, no
futuro, iríamos presenciar em algumas companhias ligadas a teatros de ópera de
todo o mundo, como é o caso do Ballet Opéra de Lyon e, nessa metamorfose, foram
fundamentais as atuações de artistas da cena que estiveram à frente de seu
elenco como Ivonice Satie, Júlia Ziviani, José Possi Neto, Klauss Vianna, Luís
Arrieta, Victor Navarro e Mônica Mion, atual diretora do grupo.
Em São Paulo, também no âmbito
da tradição das companhias de balé moderno, nasce o Cisne Negro Cia. de Dança.
Fundado (1978) e dirigido por Hulda Bittencourt, uma das discípulas paulistanas
de Olenewa, com um elenco inicial formado por alunas de sua escola e estudantes
da Faculdade de Educação Física/USP, a companhia desenvolve uma política de
apoio a jovens
coreógrafos do Brasil e do
exterior, investindo no talento contemporâneo de artistas inovadores, como Rui
Moreira, diretor da jovem Cia. Será que? (Belo Horizonte/MG).
Na São Paulo dos 60 e 70, anos
de ditadura, mas também de forte movimentação cultural em torno das questões de
grupos coletivizados, da cultura pop, da contracultura e de poderosas
interfaces entre linguagens como teatro e dança, temos a experiência do Teatro
Galpão.
Espaço idealizado pela
coreógrafa Marilena Ansaldi, que, através de pioneiros espetáculos solos ou em
dueto, inaugura a dança-teatro na cidade, por ele passariam toda uma geração de
artistas, àquela época chamados de “independentes”, porque geralmente afastados
de grupos “estáveis”, visto que estruturados à semelhança de uma companhia em
si.
Espaço de criação e
informação, por ali passaram artistas como Célia Gouveia, Maurice Vaneau, Sonia
Mota, João Maurício, Suzana Yamauchi, Mara Borba e Ismael Ivo, além de Janice
Vieira e Denilto Gomes, quem juntamente com Felícia Ogawa e Takao Kusuno,
inventaria uma vereda de mediação Brasil- Japão, dentro de uma obra
coreógrafica singular, fronteiriça da dança-teatro e do butô.
Nessa época, fora do Galpão,
em palcos alternativos, ou nem tanto, dançavam J. C. Violla, Ivaldo Bertazzo e
Juliana Carneiro da Cunha, preparando o futuro de suas carreiras em formação e
arte.
Salvador, Curitiba, Belo
Horizonte: companhias, criadores e faculdade Após a modernização da companhia
municipal da cidade de São Paulo, em 1981, inaugura-se o Balé Teatro Castro
Alves (Salvador/BA), atualmente dirigido por Antônio Carlos Cardoso, uma função
por ele já desempenhada no passado, assim como o fariam Lia Robato, Carlos
Moraes e Debby Groenwald.
A abertura do Balé Teatro
Castro Alves insere-se numa espécie de primeira vaga de novas companhias (ou de
grupos oficiais modernizados) ligadas a secretarias e fundações, como também
são casos o Balé Teatro Guaíra (1971 - Curitiba), atualmente dirigido por
Suzana Braga, função na qual foi precedida pelo mestre-coreógrafo português
Carlos Trincheiras, e a Companhia de Dança do Palácio das Artes (1971- Belo
Horizonte), atual Companhia de Danças de Minas Gerais.
Para essas companhias,
excetuando-se alguns coreógrafos estrangeiros como Olga Roriz, Oscar Araiz,
Victor Navarro, Vasco Wellenkamp ou Ohad Naharin, trabalharão criadores
geralmente originários dos elencos que as constituíram, como são exemplos Ana
Mondini, Ivonice Satie, Suzana Yamauchi, Luís Arrieta, Sônia Mota, João
Maurício, Tìndaro Silvano, Sandro Borelli ou Tuca Pinheiro.
Depois desse momento, tivemos
poucas exemplaridades de companhias parcial ou totalmente apoiadas através de
subvenção direta. Dentre elas mais recentemente podemos destacar o Grupo de
Dança do Theatro Amazonas, a Companhia de Dança de Caxias do Sul (Rio Grande do
Sul), o Ballet de Londrina (Paraná), a Verve (Campo Mourão/PR), o Balé de Goiás
(Goiânia) e a
Companhia de Danças de Diadema
(SP).
Nos anos 70, em Salvador, a
dança contemporânea se apresentaria aos olhos de uma cidade na forma das
pioneiras Oficinas Nacionais de Dança Contemporânea. Salvador também é sede da
primeira faculdade de dança do Brasil, a Escola de Dança da UFBa, fundada
(1956) por Yanka Rudska e estruturada por Rolf Gelewski.
Por essa faculdade, antes de
viver no Rio de Janeiro e São Paulo (décadas de 70/80), passaria o mineiro
Klauss Vianna (1928-1992), na Belo Horizonte dos anos 50, colega de Décio Otero
nas aulas do gaúcho Carlos Leite, conduzido à capital mineira numa turnê
patrocinada pela União Brasileira dos Estudandes (UNE).
Depois de uma rápida passagem
por São Paulo para estudar com Olenewa, Vianna retornaria a sua cidade natal,
fundando o Balé Klauss Vianna (1959), pioneira companhia moderna de Belo
Horizonte.
Em Minas Gerais, na esteira da
tradição moderna de Vianna, temos a figura de Marilene Martins, diretora da
escola e grupo Transforma, por onde passaram Suely Machado, diretora,
juntamente com Kátia Rabello, do fundamental Primeiro Ato, Dudude Hermmann, da
Benvinda Cia. de Dança, Cristina Machado (atual diretora da Companhia de Dança
de Minas Gerais) e Rodrigo Pederneiras, coreógrafo-residente do Grupo Corpo,
uma das mais famosas companhias de dança do Brasil, que durante as décadas de
80 e 90, construiu uma trajetória de sucessos de público e crítica de natureza
ímpar.
Topologia sul: Rio Grande do
Sul e Paraná. Carlos Leite, professor de Klauss Vianna e Décio Otero, era um
bailarino gaúcho, que viajaria para uma das capitais do sudeste em busca do
desenvolvimento de sua
carreira, como viriam a fazer as também gaúchas Ana Mondini (fundadora da
extinta República da Dança e atualmente diretora da StaatsTheater Kassel Tanz
Companie/Alemanha) ou Dagmar Dornelles, também artista-residente na Alemanha.
No estado de origem desses
artistas, as tradições do clássico e do moderno, sobretudo em Porto Alegre, se
enriqueceram pela trajetória de professores e criadores como Lia Bastian Meyer,
Toni Seitz Petzhold, Marina Fedosseyeva, Cecy Frank, João Luiz Rolla e Jane
Blauth.
Em Porto Alegre, durante a
efervescência dos 70/início dos 80, temos o trabalho de Eva Schul (atualmente
diretora do Anima), o grupo Terra (1981- 1984) e a atividade permanente ou
intermitente de grupos ligados a importantes escolas de dança, situação que se
repetirá em Curitiba, onde se abre, a partir do curso de danças clássicas do
Teatro Guaíra, a segunda faculdade de dança do país (1985), atualmente
integrada à Faculdade de Artes do Paraná (FAP-Paraná).
Além disso, durante os anos
80/90, na capital gaúcha temos a interessante trajetória da Terpsi Cia. de
Dança e a recente Muovere, além de sucessivas iniciativas de criação de
patamares mais profissionais para a área, como foram os já extintos festivais
Dança Porto Alegre e Cone Sul Dança, além do Centro de Formatividade em
Dança/IEACEN/Casa de Cultura Mário Quintana.
Formação universitária,
escolas livres e criação contemporânea No mesmo ano da abertura do curso de
graduação do Paraná, Marília de Andrade funda o Departamento de Artes
Corporais/UNICAMP (1985), que abrigaria uma pioneira gama de pesquisas e
formação em dança brasileira e contemporânea, tendo em seu início reunido
artistas como Klauss Vianna, J.C. Violla, Antônio Nóbrega e Graziela Rodrigues,
coreógrafa que junto com outros professores como Euzébio Lobo, Angela Nolf,
Inaicira Falcão e Holly Crawel, diretora da companhia campineira Domínio
Público, ainda integra o corpo docente do curso. Depois dessas duas
iniciativas, foram abertos outros cursos de graduação em dança dentro de universidades do Brasil notadamente
privadas, como são casos a Faculdade de Dança/Anhembi (SP), a Faculdade de
Filosofia e Comunicação/Artes do Corpo (PUC-SP), a Faculdade de
Dança/Univercidade (RJ), a Faculdade de Dança/Universidade Tuiuti
(Curitiba/PR), a Faculdade de Dança de Cruz Alta (RS) e a Faculdade Angel
Vianna (RJ), sendo que pólos de pós-graduação têm acolhido pesquisadores da
área, como no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e
Semiótica/PUC-SP, no Programa de Pós-Graduação em Teatro e Dança/UFBa
(Salvador) e no Instituto de Artes/IR-UNICAMP (Campinas/SP).
Dentro da atividade
universitária de Belém, onde atualmente se destaca o jovem coreógrafo Ricardo
Risuenho, há que se colocar em relevo a atuação da professora Eni Côrrea,
criadora , junto com Marbo Giannancine, do Grupo Coreográfico da Universidade
Federal do Pará (1968), pioneira companhia de dança contemporânea da cidade.
No Nordeste, por sua vez,
durante muito tempo o movimento de dança se circunscreve às escolas e seus
grupos. A partir dos anos 70/80 surgem criadores como Marcelo Moacir e Cristina
Castro, coreógrafa e diretora do Vila Dança (Salvador), além dos grupos Cia.
dos Homens (Recife), de Aírton Tenório, o Ballet Íris (Maceió), a Tran Chan
(Salvador), o Balé Popular do Recife, a Grial Cia. de Dança (Recife), a Mah
Cia. de Dança (Campina Grande), o Grupo Experimental de Dança do Recife, além do
internacionalmente famoso Balé Folclórico da Bahia. (Salvador).
Em Natal, trabalha Edson
Claro, profissional da educação física e bailarino, que depois de fixar-se na
UFRN, atualmente dirige o grupo Gaia, que divide a cena da capital do Rio
Grande do Norte com o Ballet Municipal de Natal , a Corpo Vivo, de Diana Fontes
e a Roda Viva, composta por artistas deficientes físicos.
Além disso, no Ceará dos anos
90 surge o Colégio de Dança (Instituto Dragão do Mar/1998) e a Bienal de Dança
do Ceará (1997), ambos sediados em Fortaleza, onde também se encontra a EDISCA,
Escola de Dança e Integração Social para Crianças e Adolescentes.
Já polarizando a dança do
Centro-Oeste, a capital do país jogou um papel fundamental na criação de uma
dança para a região e dentre seus atores estão Luís Mendonça, um dos fundadores
do Endança, originalmente apoiado pela UNB (Universidade Nacional de Brasília),
Giselle Santoro, idealizadora do Seminário Internacional de Dança de Brasília e
as criadores Eliana Carneiro e Maura Baiocchi, ambas atualmente em atividade na
cidade de São Paulo.
Na Brasília de hoje se
destacam duas companhias contemporâneas, a importante Alaya, dirigida pela
coreógrafa piauiense Lenora Lobo e a ainda jovem Basirah, sendo que no Mato
Grosso do Sul temos o Ballet Isadora Duncan.
Na dança do centro-oeste da
última década, impõe-se a Quasar (Goiânia), que através do trabalho de seu
coreógrafo-residente, Henrique Rodovalho, constitui- se em exemplo, junto com o
Cena 11 e o coreógrafo Alejandro Ahmed (Florianópolis/SC), de grupo e criador
que, exteriormente aos circuitos de grande visibilidade e produção do país, se
estabelecem de maneira forte dentro do contemporâneo do Brasil, que nos últimos
dez anos começa a ser mais bem difundido em nosso território e fora dele.
Difusão e interiorização da
dança A divulgação da dança no país passa por alguns de seus eventos, mostras e
festivais, dos quais o pioneiro é o Encontro de Escolas de Dança do Brasil,
realizado em Curitiba (1968) por Paschoal Carlos Magno.
Em alguns deles, sobretudo os
competitivos, abre-se espaço para a apresentação das escolas e grupos amadores
do país, dentro de uma lógica que estimula a disputa.
Eventos com essas
características, como o Encontro Nacional de Dança (ENDA/SP), o Festival de
Dança de Joinville ou e Bento em Dança (RS) firmam-se conjuntamente como redes
de validação/qualificação do trabalho de muitas das escolas do país.
Esses grandes encontros fazem
ainda ressaltar a trajetória de alguns artistas como Mário Nascimento, que
também tem criações em importantes companhias nacionais, e de grupos como o
Raça (SP), dirigido por Roseli Rodrigues, uma das grandes mestras da dança-jazz
do país.
Além de recentemente abrirem
espaço para grupos de “dança de salão”, os festivais competitivos também
incentivaram o aparecimento do fenômeno da “dança de rua”, que apesar de ter
suas origens também ancoradas na dança break (universo hip hop), dela se
distancia por determinados aspectos.
Exemplos desses grupos são a
Cia. de Dança Balé de Rua, surgida dentro do Festival de Dança do Triângulo
(Uberlândia) e a Dança de Rua do Brasil, de Santos, sendo que dentro da dança
contemporânea dessa cidade do litoral também se destaca o Natura Essência,
grupo que, juntamente com o Balé de Rio Preto, a Distrito (Ribeirão Preto) e a
Lina Penteado (Campinas), marca a cena da dança do interior paulista.
Apoios institucionais e novas
gerações Nos palcos da capital deste Estado, recentemente temos a presença das
três companhias do Estúdio Nova Dança, do Danças, de Cláudia de Souza, filha de
Penha de Souza (uma das introdutoras do método Marta Graham na cidade) e a
FAR-15, de Sandro Borelli e Sônia Soares.
Todos esses grupos paulistanos
foram mais recentemente precedidos por outros conjuntos da dança moderna e/ou
contemporânea como o Andança, Grupo Ex, o Casa Forte, o Marzipan (de Renata
Melo/Rose Akras), o Teatro Brasileiro de Dança (de Clarisse Abujamra), o
Tesouro da Juventude (de Lígia Veiga/Sílvia Rosembaum) e o Terceira Dança (de
Gisela Rocha), além daqueles de perfis mais ligados ao balé e balé moderno,
como tais como o Ópera Paulista, Ballet Clássico de São Paulo (de Halina
Biernacka), Ballet de Câmera de São Paulo (de Ricardo Ordoñez) e Ballet
Uirapurú (de Ilara Lopes).
Quanto aos festivais não
competitivos do país, historicamente temos exemplos de importantes encontros
como os já extintos Confort em Dança e Carlton Dance Festival ou o Festival de
Inverno da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Originalmente, este último
reunia artistas pertencentes a várias “tribos artísticas” e acontecia em várias
cidades do interior do estado, diferentemente do que ocorre com o FID- Festival
Internacional de Dança (Belo Horizonte) dirigido por Carla Lobo e Adriana
Banana, esta última fundadora, junto com o intrigante criador mineiro Marcelo
Gabriel, da Companhia Burra de Dança (Belo Horizonte).
A esses festivais se acrescentem
o Encontro Internacional de Dança/Festival de Inverno (Campina Grande), o
Festival Nacional de Arte/FENARTE/João Pessoa, os projetos de difusão do Centro
Cultural São Paulo (O Feminino na Dança, O Masculino na Dança e Semanas de
Dança), o Festival Nacional de Dança de Recife e o Vitória Brasil, da capital
do Espírito Santo, onde se destacam a companhia Neo Iaô e o grupo de Mitze
Martucci.
Durante os últimos quarenta
anos, a realização desses eventos e a viabilização de algumas temporadas da
dança do país não seriam possíveis sem o concurso dos mais variados tipos de
apoio de diversas instituições públicas e privadas do país, dentre eles a
antiga FUNDACEN, atualmente absorvida pela FUNARTE, o MINC, Ministério da
Cultura (antes MEC - Ministério da Educação e Cultura), o Grupo Shell, Grupo
Fiat, as ex-empresas públicas de telecomunicações, o Banco Rural, Banco
Real-Amro, Telemig Celular, Bradesco, Banco Itaú, BR Distribuidora, Petrobrás,
CEF- Caixa Econômica Federal, etc.
Mais recentemente temos
presenciado as ações da Secretaria Municipal de Cultura/RJ , da Secretaria do
Estado da Cultura (SP) e aquelas do SESC São Paulo, que inaugura um contínuo e
firme apoio à dança contemporânea a partir do Movimentos de Dança (SESC
Consolação), evento que foi seguido por iniciativas como a Bienal de Dança
(SESC Santos) e o Olhar a Dança (SESC Rio Preto).
Políticas da cultura e cultura
política Quanto aos criadores da última década, fica mais um pouco da recente
história paulistana. Na São Paulo dos anos 90, os “independentes”, agora
denominados de “contemporâneos”, começaram a tramar estratégias para defender a
possibilidade de seus trabalhos.
Em 1990, capitaneados por Ana
Mondini, Helena Bastos, Vera Sala e Umberto da Silva, um grupo de
bailarinos-coreógrafos lançou-se numa iniciativa que pudesse garantir a
existência de suas produções de maneira mais permanente. Surgia o Movimento de
Teatro Dança- MTD 90, também integrado por João Andreazzi , Márcia Bozon ,
Mariana Muniz, Mírian Druwe e Sandro Borelli e a partir dele se estrutura a
Cooperativa Paulista de Bailarinos Coreógrafos/CPBC (1995).
Tanto o MTD 90 quanto a
cooperativa são estratégias de políticas culturais setorizadas, marcadamente
estruturadas por uma atitude política dos artistas frente à arte que propõem ao
mundo.
Na cidade da década de 90 e
começo do anos 2000, dentro ou fora da cooperativa, novas levas de criadores de
dança do Brasil, no Brasil e sobre o Brasil aparecem (ou se tornam mais
presentes), povoando os espaços da cidade com suas poesias.
Enumerá-los é uma arriscada
tarefa, já que as omissões serão inevitáveis. Todavia, sua “presença e
resistência” dentro de um determinado ambiente cultural, os faz merecedores da
tentativa de reunião de seus nomes numa lista de “pé quebrado”, uma citação “em
massa”, onde se misturam artistas de mais de uma geração:
Adriana Grechi, Alexandra
Itacarambi, Ana Lívia Cordeiro, Ana Teixeira, Ana Terra, Angela Nagai, Armando
Aurich, Bia Frade, Carlos Martins, Cláudia de Souza, Cláudia Palma, Cristian
Duarte, Eliana Cavalcanti, Eliana de Santana, Emilie Sugai, Fernando Lee, Gabi
Imparato, Gabriela Dellias, Geórgia Lengos, Gícia Amorim, Key Sawao, Helena
Bastos, Jorge Garcia, José Maria Carvalho, Lara Pinheiro, Lara Pinheiro Dau,
Lela Queiroz, Letícia Sekito, Larissa Turtelli, Lília Shaw, Lu Favoreto, Luiz
de Abreu, Márcia Bozon, Maria Mommenshon, Marta Soares, Patrícia Noronha,
Patrícia Werneck, Paulo Goulart Filho, Rachel Zuanon, Raymundo Costa, Ricardo
Iazzeta, Robson Jacqué, Sérgio Rocha, Sofia Cavalcanti, Soraya Sabino, Sílvia
Geraldi, Sueli Cherbino, Thelma Bonavita, Tica Lemos, Valéria Bravi, Valéria
Franco, Vera Sala, Welington Duarte, Willy Helm, Wilson Aguiar, Yvany Santana e
Zélia Monteiro.
Através dessa relação, fica a
tentativa de homenagem a muitos outros criadores de diversos cantos do país que
brava e contemporaneamente constróem suas trajetórias.
Tais construções, também
garantidas pelo trabalho infatigável de profissionais da modernidade (em dança
e balé) e aquele de pelo menos duas gerações de artistas interessados nos
percursos da dança pós-moderna e contemporânea, são herdadas pelos integrantes
dessa lista.
Seus componentes, muitas vezes
inconscientes de toda essa estruturação, mas à força de sua existência, estão
suficientemente seguros para estabelecer falas diferenciadas a respeito de
identidades culturais específicas, oriundas de um espaço e tempo, de um site
inserido na história.
In Dicionário SESC, A
Linguagem da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 2003.
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