“Querendo…” é uma criação de
Henrique Rodovalho para o “Entre Nós Coletivo de Criação”, nesta obra composto
por três interpretes em cena: Anádria Rassyne, João Alexandre Lima e Tházio
Menezes.
A ela temos acesso por uma filmagem
feita sem plateia, e que nos coloca, enquanto espectadores de uma videodança/dança
filmada, a assistir o espetáculo por muitos ângulos. O câmera que assina a captação
das imagens participa do fluxo dos movimentos, também compondo-os para nossa
contemplação.
Neste sentido, sua atuação
acrescenta novas camadas dramatúrgicas ao que se assiste, desvelando-nos um
tanto mais da escritura artística de Henrique Rodovalho, um dos grandes
artistas de nossa dança.
A obra coloca em cena um trio - dois
rapazes e uma moça- e entre eles estabelecem-se dinâmicas de sedução compostas
de vários matizes. Nelas o desejo por outrem configura-se em gestualidade mais
explicitamente individual e em dinâmicas de duos, trios e solos, ou seja mediante
uma assinatura coreográfica e artística de um criador que já tratou deste
assunto em obras que precederam a “Querendo...”.
Nesta também encontramos os
movimentos de articulações do corpo – quadril e coxas, pés e pernas, pescoço e cabeça, - trabalhadas
de maneira inusitada por Rodovallho, e as quais aqui chamarei de “dobradiças”. A
partir de uma câmera participante da cena, podemos observá-las mais de perto,
em seus planos médios e baixos de movimentação (rente ao chão).
Isto acontece, por exemplo nas sequências
dançadas em trios. Nestes, os movimentos feitos em uníssono, parecem também
apontar para uma espécie de espelhamento de gestos, um ambiente especular a
metaforizar um dos mecanismos básicos da paixão quando os apaixonados mais do
que perceber o outro, nele se espelham em seu desejar.
Desta forma, o desenho coreográfico
de Rodovalho vai avançando para significar algo a mais do que ele mesmo.
Organiza-se para “contar uma história”: da paquera, do flerte e do desejar.
Contar histórias, à maneira da dança,
sempre pareceu ser uma meta de Rodovalho e neste caso, a palavra que dá título à
obra: “querendo’, ao qual se acrescentam as reticências (os famosos três
pontinhos) já nos conta de um contínuo do querer, restando-nos pensar no objeto
deste desejo.
Em “Querendo...”, o foco deste
desejo concentra-se na figura da intérprete, que além de dançar com maestria um
solo pungentemente interessante, alterna-se em diálogos corporais entre seus
dois parceiros de cena, sem se decidir por algum deles, como indica a cena de
um delicado e brejeiro beijo a três.
Ao
lado de uma solidão presente nos solos, observados por um elenco que permanece
todo o tempo em cena, a gestualidade mais cotidianamente conotada (sim, podemos
nos identificar com alguns gestos da obra) apresenta-se bem- humorada e inteligentemente
depurada, o que deve resultar numa comunicação mais direta entre esta dança e
suas plateias. Para isto concorre uma trilha que se alterna, de maneira
interessante, em ser dramaturgia musical (inserida no tecido da obra) e
ambiência sonora.
Para além das características
encantadoras, presentes nesta dança de Rodovalho, e para além de uma certa
leveza, ao longo da criação existe uma iminência dramatúrgica bastante bem
expressa pelos três intérpretes, que nos coloca em estado de espera por um
desfecho dum drama que se processa.
Ela se constitui pelas repetições
de alguns movimentos e por uma certa impressão de que teremos este desfecho, a
moça talvez optando por um caminho a seguir, ou seja eleger um dos garotos para
ser o seu “bem-querer”.
Como vimos, esta tensão não se
resolve, e depois de um outro beijo a três, o seu querer segue num contínuo em
direção ao mundo, fora da cena.
*Crítica escrita especialmente para o programa “Semana de Reflexões Críticas - 13º Encontro Internacional de Dança Contemporânea” (3 de março de 2021). Natal - Rio Grande do Norte. Crédito de Imagem: Brunno Martins.
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