Desde 2005, a Companhia Giradança
consolida-se como um fundamental grupo para a dança do Brasil, de Natal, espraiando sua obra pela arte de bailarinos de múltiplas competências, reunindo
artistas com e sem deficiência.
Estreada em 2017, a obra “Die
einen, die anderen", é fruto de uma cooperação entre esta companhia do Rio
Grande do Norte e a Cie. Toula Limnaios (Berlim) através da qual quatorze
bailarinos, sete de cada grupo, trabalharam entre Brasil e na Alemanha.
O ponto de partida foram questões que apontassem para dinâmicas de alteridade (o que é um + o que é outro?), tendo-se como pano de fundo certas reflexões do filósofo francês Michel Foucault em torno do corpo e suas “heterotopias”, apontando-se a pluralidade como elemento que deva estruturar um “corpo utópico”, projetado num devir diverso.
Apesar de termos quatorze intérpretes envolvidos no projeto, no espetáculo muito bem captado/editado em vídeo numa récita no Teatro Halle TanzBune (Berlim) estão somente os sete bailarinos da Giradança. Presencialmente contracenam, através de imagens projetadas no ciclorama do palco, com os bailarinos do grupo alemão, e por vezes, consigo mesmos.
Tal dinâmica acontece quando num pas
de deux, Joselma Soares é girada por um moço do elenco, enquanto a mesma
cena é projetada no telão, atrás dos artistas.
A partir desta percepção, é interessante
notar-se que esta estratégia de estrutura dramatúrgica, que em 2017 tornou
possivel a parceria entre grupos (e continentes), hoje se mostra precursora do
que viria a ser vivenciado por artistas ao longo do confinamento imposto pela
pandemia mundial Covid-19 (2020-2021).
Neste período, no qual ainda
estamos mergulhados, os diálogos coreográficos entre-telas se tornaram dança, tanto
no campo da criação/difusão, quanto no campo da formação, a partir de várias
plataformas e pelo trabalho compartilhado entre coreógrafos, bailarinos,
dramaturgos, operadores de câmera/streaming e editores.
Ao pré-configurar, antes do tempo
atual, esta forma/processo metodológico de ação a Giradança estava a se inserir
num universo que lhe é conhecido: aquele de construir futuros a partir de um
campo plural que se concretiza em cena por artistas de fato plurais.
Enfrentando desafios (e enigmas)
gigantescos de formação, criação e difusão de uma dança que se inventa a partir
de trajetórias de fato diferentes, a companhia constantemente se configura num
laboratório múltiplo e profissional do trato com a alteridade, juntando “uns e
outros”, como o apontado até mesmo no
titulo da obra que aqui brevemente se analisa.
A batuta deste laboratório de 2017 esteve
à cargo da alemã Toula Limnaios, que ao apostar na dramaturgia de cada intérprete,
organizou ainda as linhas de passe que puderam ser entretecidas como uma
estrutura coreográfica de base, a trilha sonora apresentando-se mais ambiências
sonoras que partituras musicais para um mover-se dos intérpretes.
Seu labor foi o do encadeamento dos sentidos
da criação encarnados em cada intérprete com ou sem deficiência.
Todavia, apontando para o novo e
para o original, as estruturas encarnadas nos bailarinos com deficiência,
apresentaram-se como uma reinvenção (pela desconstrução-construção) de mesmas
epistemes e metodologias compartilhadas entre todos, resultando em cenas de
grande frescor, como na dinâmica pela qual se encerra o espetáculo.
Nela, imagens dos sete do elenco da
Giradança numa praia, com água do mar pelo joelhos são projetadas ao fundo do
palco, onde estes mesmos bailarinos se transformam numa onda rente ao chão,
empurrando-se e sendo empurrados pela força de uma bailarina-solo.
Nesta metáfora de corrente marítima, fonte de vida e energia para sua dança, projetam força e esperança para a arte de muitos. Projetam utopias no plural.
*Crítica escrita especialmente para o programa “Semana de Reflexões Críticas/13º Encontro Internacional de Dança Contemporânea” (2 de março de 2021). Natal - Rio Grande do Norte. Crédito da Imagem: Brunno Martins
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