“Dançar Álbuns Inteiros”, de Álvaro
Dantas, foi proposta desenvolvida a partir de novos espaços-palcos, laboratórios
possíveis no confinamento da pandemia mundial Covid-19.
Atuar coreograficamente tendo como base
todas as canções de álbuns foi base da investigação e por isto a expressão “álbuns inteiros” faz parte do título da obra.
Neste vídeo, a origem foi o álbum
“Ficção”, da cantora Simona Talma, o projeto apontando para seminais debates da
dramaturgia, sobretudo aqueles sobre o significado das palavras para/na arte da
dança, em debates históricos que se dão desde sempre ao longo de sua existência
como arte da presença.
Coreografar canções, que articulam
música e letra, sempre será um desafio, sobretudo se as obras se apresentam frente a
plateias que compartilham com os bailarinos a mesma língua de origem. Desfio
maior será se artistas e publico também já conhecerem as letras sobre as quais
se estruturam as coreografias.
Se por um lado esta opção potencializa a
comunicação entre arte e publico, este conhecimento, da língua e mesmo das
canções, pode restringir a surpresa, a inquietude ou o contraste que poderia
resultar das ressignificações que a interdisciplinaridade entre movimentos e
palavras em arte podem gerar.
É dizer que nesta obra, podemos
interpretar, com um certo conhecimento de causa, cada frase enunciada por Talma
e dançada por Dantas, num espectro cênico que vai da mímica e/ou pantomima até
dinâmicas menos conotadas ou conhecidas. Podemos ainda nos identificar em maior
grau com gestualidades mais conhecidas, posto que presentes em repertórios dum maior
senso comum.
Neste caso, onde estariam o espaço para
a estética que nos surpreende, em momentos nos quais a dança nos abre uma
brecha para o desconhecido?
Ao dançar as
oito canções de “Ficção”, de autoria de vários compositores e interpretadas por
Simona Talma, este é também desafio do álbum
coreografado.
Nele encontramos majoritariamente
trechos mais identificados com vídeo-clips do universo da música (pop, mpb, etc.)
do que invenções de uma dança para tela, em tempos de confinamento.
Esta circunstância, faz do todo do
“Dançar álbuns inteiros” uma espécie de laboratório cênico, a ser mais bem
trabalhado por Dantas. No entanto, exemplos de um trabalho que mais bem se
aprofunda, distanciando-se a obra da forma “vídeo-clip musical”, aparecem em
dois trechos do vídeo. Referem-se às
canções “Paris Texas” e “Amado”, onde a dança, de alguma maneira, subverte-se frente
às canções.
Em “Paris Texas”, o sentido mais
aparente da canção se torce para dar passagem a uma imagem de flores de papel
que se derretem sobre rosto e torso nus, num setting de box de chuveiro a
jorrar água.
Em “Amado”, há contraste entre canção (letra + música) e dança, gerada por uma contenção dum corpo que se confina em escada-beco sem saída. Por ele, ao subir e descer, o interprete tem como guia um fio-de-luz. Como uma Ariadne confinada em casa, a poética desta imagem aponta para mais investigação para sua arte, a partir do desafio inicialmente projetado.
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