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"Modos de fazer" na dança do Brasil: quatro traçados

Valsa do Desassossego (Larissa Turtelli & Graziela Rodrigues < direção>, 2004)

RESUMO: 

Fruto de encontro do GT Pesquisa de Dança  no Brasil: processos e investigações, da Abrace – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, re- alizado em São Paulo em 2004, o presente texto reúne quatro depoimentos de artistas-pesquisadores-professores da dança do Brasil sobre arte e metodologias de criação e ensino anco- radas em trajetórias individuais.

Palavras-chave: criação; dança; formação; metodologia.


ABSTRACT: 

Result of a meeting of the work group Survey of Dance in Brazil: processes and investigations, as a part of Abrace – Brazilian Association for Research and Graduate Studies in Performing Arts, held in São Paulo in 2004, that brings together four testimonials from artists-researchers- teachers of dance in Brazil, about art and creating and teach- ing methodologies anchored in individual trajectories.

Keywords: dance; creation;  education; methodology.


Desde 1999, instaurado como espaço de debate em torno da produção e pensamento em dança no Brasil,  o Grupo de Trabalho, GT Pesquisa de Dança no Bra- sil: processos e investigações da Abrace – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, acolhe várias linhas de investigação, dando voz a idéias diferenciadas em pesquisa e arte.
Suas atividades privilegiaram táticas metodológicas exercitadas em conjunto, a prática artística servindo como âncora para as reflexões em congressos e reuniões científicas da associação e em atividades inter- congressuais, como nos encontros que se seguiram ao  I Congresso da Abrace (USP, São Paulo, 1999), em que os pesquisadores apresentaram suas investigações, debatidas a partir dos contornos de cada pesquisa, o  foco sendo o mapeamento aprofundado do desenvolvido, numa ação transversal prospectiva dos modos e temas de cada investigação.
Para o II Congresso da Abrace (UFBA, Salvador, 2001), o então “núcleo duro” do GT, formado pelas pesquisadoras Graziela Rodrigues (Unicamp), Karen Müller (USP), Simone Alcântara (USP), Denise Siqueira (Uerj), Regina Müller (Unicamp) e Cássia Navas (Unicamp), colocou em prática um outro modelo, também elaborado durante o período inter-congressual em encontros mensais nas cidades de São Paulo e Campinas, nos quais as pesquisadoras analisavam, segundo suas próprias pesquisas e partis pris, o andamento de uma pesquisa específica.2
Em Salvador, uma etapa desta atividade experimental veio à tona, procurando-se nortear o avançar de um trabalho acadêmico sob os distintos olhares de cinco pesquisadoras, dando-se aos outros participantes do GT uma rara oportunidade de vivenciarem “à queima-roupa” um processo interdisciplinar na compreensão  de um determinado evento.
“Modos de fazer” na dança do Brasil: quatro traçados é fruto de outro encontro do GT (São Paulo/2004), em que se reuniram quatro artistas-professores-pesquisadores: Graziela Rodrigues, Marika Gidali, Zélia Monteiro e Umberto da Silva. Inquiridos sobre suas metodologias ou “formas de ação” coreográficas e pedagógicas, per- correram quatro horas de escuta e fala, na Oficina Cultural Oswald de Andrade (Unidade de Formação Cultural/Secretaria do Estado de São Paulo), com apoio  do Curso de Dança/Universidade Anhembi-Morumbi, em atividade organizada pelos pesquisadores Ana Terra (Anhembi-Morumbi), Karen Müller (USP), Regina Müller (Unicamp), Sílvia Geraldi (Anhembi-Morumbi), Simone Alcântara (USP), Arnaldo Alvarenga (UFMG)  e Cássia Navas (Unicamp), estes dois últimos agindo como mediadores da grande mesa-redonda.
Passados seis anos deste encontro, as entrevistas coletivas realizadas seguem tendo uma importância fundamental para o debate sobre formas de ação em arte da dança, articulando, no “vivo do assunto”, presente na fala de cada artista, reflexões sobre arte, pedagogia   e criação.
A partir da fala/texto de cada um dos artistas, há que se tecer algumas curtas considerações. Organizadas a partir de oito tópicos/questões básicas, 3 dão-nos  a conhecer universos estruturados por especificidades  e similitudes entre si e também com tantas outras trajetórias da dança do planeta.
Nos depoimentos, os pontos aos quais esperávamos chegar, mantendo-se o enfoque no tema-base “metodologia em dança”, algumas vezes aparecem embaralhados e enunciados de forma enviesada, sucedendo-se em assuntos recorrentes entre si.
Desfoca-se, assim, o foco das perguntas, espalhando-se nas palavras recolhidas idéias a serem garimpadas, como pedras escondidas em preciosos veios.
O desfocar-se do tema principal desvela a questão da construção da arte e de suas lógicas e, portanto, de suas metodologias. Em nosso caso específico, na metodologia de ensinar e de criar dança, arte do corpo no tempo e no espaço, onde os métodos se constroem na presença de si e dos outros (em seu corpo ou em outros corpos), presentifica-se de maneira aguda um dos paradoxos dos seres humanos: somos um corpo que ao mesmo tempo possuímos.
Tratadas em não tão numerosas publicações, geralmente as metodologias em artes expõem considerações e funções que articulam, opõem ou sintetizam (ou tudo isto de uma vez) as lógicas da arte e da ciência.  De um modo geral, seus autores são unânimes em ressaltar a dificuldade do trato com os métodos do fazer artístico, que, ao apontarem para seus focos, desfocam seus contornos, focando-os a seguir e sucessivamente, em processos eivados de uma especial capacidade dos seres humanos, potencializada na atividade dos artistas: a capacidade da adivinhação (abdução) do mundo, em hipóteses que se concretizam em gestalts (suas criações), por sua vez sínteses tradutoras do meio (mundo) no qual se referenciaram.
Aos cientistas (incluídos os cientistas da arte) também cabe a possibilidade desta adivinhação, colocada   à prova por um paulatino decifrar, apontando-se para hipóteses igualmente entrevistas, de que resultarão conclusões estruturadas em análises práticas e teóricas.
Nos depoimentos deste texto, encontraremos parábolas redondas, elipses porosas e reticências – traduções verbais de “modos de fazer e ensinar dança” e os resultados da intertessitura da lógica científica e artística, sobretudo nas palavras daqueles que, inserindo seu trabalho nas universidades brasileiras, buscam, a partir dos cânones da arte contemporânea, conjugar estas fronteiras.
A dança do Brasil constitui-se hoje em área de fértil processo, no qual diversas construções estão em curso, apesar da fragilidade do setor, fruto da falta de apoios financeiros e simbólicos e de uma herança (remota e recente) de trajetórias lineares ou episódicas, oriundas de tradições orais e extremamente hierarquizadas, não fundantes de uma memória para além dos limites de uma férrea centralização de decisões e conhecimentos e, em muitos casos, impeditiva de uma reflexão e uma prática mais abrangente e democrática.
Parte do “estado da arte” dos modos de fazer e ensinar desta dança se dá a conhecer pelos depoimentos/ textos que se seguem. Nesta cartografia, muitas vezes cortada por mesmos rios e caminhos, apresentam-se quatro traçados sobre “metodologia em dança” de nosso país. Um deles deixou de fluir entre nós no ano de 2008, com a precoce morte de Umberto da Silva.
A ele este texto é dedicado, afirmando-se a importância do traço que se grafa, por escrito em texto verbal, na carne dos artistas e na carne do palco e dentre aqueles que assistem dança.

Graziela Rodrigues, Marika Gidali, Umberto da Silva e Zélia Monteiro, quatro traçados

Graziela Rodrigues

Meu nome é Graziela Estela Fonseca Rodrigues. Nome artístico, Graziela Rodrigues. Nasci em Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 13 de janeiro de 1954. Como eu ensino, crio e pesquiso dança? Tudo isso vem permeado das imagens de todos eles, os meus mestres: Dulce Beltrão, Sílvia Calvo, Marika Gidali, Décio Otero, Angel e Klauss Vianna,  Ademar Guerra e muitos outros. Em muitos momentos, quando estou ensinando, “baixa” uma Dulce Beltrão, uma maneira de segurar a saia. Eu convivo muito com as imagens, não é à toa que a minha pesquisa de doutorado foi direcionada para a imagem corporal. Ela vem de uma forma coabitada por muitas horas de convívio com meus mestres. Por mais que a gente caminhe dentro de uma pesquisa, dentro de uma criação e vá sendo identificada por um trabalho, é impossível não estar tendo a referência desses mestres.
Como ensinar! Eu nunca, nunca deixei de dar aulas. Não é pelo fato de estar agora na universidade (Departamento de Dança/Instituto de Artes/Unicamp). Antes dela, na época em que eu atuava mais como dançarina, nunca deu para a gente ficar sem dar aulas. A sala de aula é um cotidiano nosso. Vejo isso como algo cada vez mais desafiador. Estou há 17 anos na Unicamp e observei que nunca consegui repetir um programa     e nunca segui um programa que eu fizesse. Porque a primeira coisa que faço quando entro numa sala é olhar as pessoas que tenho ali. Trabalho muito com perguntas. Eu entro achando que não sei nada, que já não estou sabendo fazer  mais nada daquilo, que o público é um outro. Agora com 50 anos, acho que estou mais distante do pessoal de 17, 18, porque a cabeça já vem de um outro jeito. É sempre um desafio, um desafio de tentar comunicar com aquele corpo, pois vejo o corpo das pessoas como algo muito original.
À medida que fui trabalhando com a questão da pesquisa, e por isto fui para a universidade, fui me afastando do que seriam os códigos, do que seriam as técnicas x, y, z, as linguagens. Entrei com o meu corpo, com aquilo que ele conseguiu realizar e vivenciar, entrar numa sintonia com esse outro corpo com o qual vou iniciar um trabalho. Então eu persigo uma direção que é entrar no movimento. E para eu entrar no movimento tenho que ir buscando estratégias para que esse corpo se mova. Isso independe de linguagem. Por natureza sou uma pessoa um pouco anárquica, no sentido de não me conter numa única disciplina. Se eu tiver que buscar algum elemento, uma bagagem há muito tempo deixada em alguma estação (da vida), vou lá buscar e vou trazer. Assim percebo que essa é uma marca do trabalho que realizo, no sentido de não ter fronteiras para chegar à genuinidade de cada corpo. Aí entro na questão da criação, já vou integrar o que mais me fascina na criação: chegar na originalidade de cada corpo. Esta é a minha praia! Não consigo identificar coisa que mais me mova do que isso, de chegar ao gesto daquela pessoa, que é só dela! A criação entra nessa. É nessa busca aí como coreógrafa, como diretora, no momento em que esse gesto é trazido à tona, na cumplicidade dessa criação.
Arnaldo Alvarenga: Graziela, como convivem o artista criador e o professor no ato de ensinar? Algum deles se sobrepõe ao outro? Eles se equalizam? Como é essa experiência para você?
Graziela Rodrigues: É, essa divisão eu acho com- plicada. Porque você é corpo tanto numa condição quanto noutra. Agora, existem sim, enquanto espaços, existem diferenças. Vejo que no ato de ensinar você tem que colocar certos limites necessários para esse aprendizado, por mais aberto que você tenha esse espaço. E o ato de criar é um ato que deve ser totalmente desprovi- do desses limites, desde que não envolvam, obviamente, riscos de qualquer natureza. A segurança, esse é um aspecto que deve ser sempre bem cuidado. Até gostaria de pontuar uma questão, algo que tenho repetido e sentido bastante no nosso curso da Unicamp. Nós temos discutido um pouco sobre isso, que é o quão pouco entendido tem sido o ato de criar. Acho que se entende compor, coreografar, sob o prisma de fazer algo semelhante a algo que já foi criado. E se a gente está falando de ato de criar, criar mesmo, ele está existindo pouco.
Cássia Navas: Graziela, você disse que está há 17 anos na Unicamp. Você participou de várias formulações de projeto pedagógico, de reformulações de projeto pedagógico em torno do que seria a questão da formação de um profissional de dança na universidade. Como foi isto, dentro desta perspectiva que você coloca sobre o ensino e a criação?
Graziela Rodrigues: Em sendo uma universidade pública, nós temos um corpo docente bastante heterogêneo. Costumamos até brincar que ali cada cabeça é uma escola. Eu lhe diria que tem de tudo. Quer dizer, a gente não tem, enquanto perspectiva de um curso, que comportar todas as diferenças. Mas acho que, apesar disso, nosso curso tem o perfil de formar o intérprete em dança. E tem um grupo grande defendendo com unhas e dentes que não há conhecimento em dança que não seja vivido no corpo, não dá para ir via teoria, tem que ser vivencial, obviamente, acatando e considerando todo o aspecto teórico provindo do corpo. Ainda assim é pouco, a meu ver, ainda há pouco espaço dentro de um curso de graduação para isso. O curso prima por essa questão, a questão da criação e da consciência...
Agora, vejo que é impossível um curso de graduação abarcar toda essa questão à qual me refiro, sobre o ato de criar, porque em outros ambientes isso também está existindo pouco. Seja no meio acadêmico, seja no meio artístico. Talvez a gente consiga, enquanto universidade, caminhar nesse sentido no momento em que nós estivermos nos núcleos de pesquisa. Acredito que será a grande virada.
Dentro de um curso de graduação, você consegue em termos, porque você tem que dar uma formação para esse sujeito, para ele habitar o mundo que aí está, a gente não trabalha com o mundo ideal. Ele deverá fazer as suas escolhas depois. Para uma formação em dança, acredito, é muito pouco quatro anos. Mesmo o aluno que chega já com alguma bagagem, é pouco para se chegar a este momento. O espírito da época, não o vejo propenso a isso, o discurso é outro, na hora de criar, se você não faz um trabalho dentro de determinados perfis, você nem chega a conseguir entrar para esses editais ou esses panoramas da dança que estão aí. Nós temos prova disto.
Os nossos alunos que entraram no curso de dança... não quer dizer que sejam artistas. Naquele volume de pessoas que se formam em dança, você tira alguns poucos que são artistas. E os que são artistas, mesmo, não estão tendo espaço, não. As pessoas vão se fechando como uma ilha dentro do que um grupo acredita ser. Vejo que há uma tendência, sim! Mas tudo é uma conquista. Uma conquista desses anos, das pessoas que participam do curso, onde, por exemplo, a Regina Müller foi uma professora fundamental. Pois ela tem toda uma bagagem teórica, além de ser partidária, mesmo, e defender em várias instâncias, em vários momentos, para que esses movimentos pudessem prevalecer. Enfim, que é o ato de criar! Mas o ato de criar, daqui a pouco, será algo que a gente vai ter que buscar em manuais muito antigos.
Arnaldo Alvarenga: A maneira de construir seu processo de pesquisa, o BPI (Bailarino-Pesquisador- Intérprete). Como isso foi acontecendo dentro de uma relação metodológica e de formação ao mesmo tempo, a construção do processo organizativo de um professor? Por que o que é que acontece? A gente tem que ensinar alguém. Ensinar. Em termos de Brasil, acho que isso é uma coisa complicada. É como você mesma colocou no início da sua fala: eu, ainda intérprete, já ensinava. Para nós é uma forma de sobrevivência. Como tudo isso aconteceu para você? Dentro do seu processo artístico, a Graziela intérprete, a Graziela professora e, finalmente, do fechamento do BPI.
Graziela Rodrigues: Eu vejo que a dança é um processo assim, muito do cotidiano. Agora  me  veio até uma lembrança do Ballet Stagium. Como já disse várias vezes, foi uma grande escola para mim, onde eu me iniciei. Eu tive a formação com Dulce Beltrão (Belo Horizonte), mas foi um espaço de iniciação, mesmo. Nunca me esqueço do dia em que o Ademar Guerra disse para mim assim, porque eu tinha mil dificuldades, era daquelas que chorava muito, que sentia uma impotência imensa e intensa: “Por que que naquilo que você tem maior dificuldade, você não ensina? Aquilo que é o seu tendão de Aquiles, aquilo que é o mais difícil para você, procure ensinar”. Então, eu acho que o processo vem assim, você vai construindo aqui com seu corpo, você tem o desafio aqui com você e vai buscando uma maneira de resolver isso, para repassar ao outro as suas descobertas. Creio que no trabalho, ao mesmo tempo em que era supervisionado, diário, com tanta informação, isso não era passado, é não-verbal, você capta pelos sentidos, fazendo uma somatória no seu corpo, sabe-se lá, nessa síntese, o quanto disso tudo não tem. Eu acho que, gradativamente, foi isso, fui ensinando as minhas dificuldades.
E o BPI? Eu trabalhei muito com diretores de te- atro, para entender outras coisas, foram muitos mestres. A gente não se faz sozinha. No momento, lembro-me de que em 1986 fiz meu último espetáculo e percebi o fechamento de uma gestalt que eu tinha que decifrar. E vêm aquelas coisas, coincidências, não é? Aquelas confluências, como o momento em que fui chamada para a Unicamp, eu não queria de jeito nenhum, era o último espaço que eu pensava em ir. No primeiro ano achei um ambiente assim, dos mais estranhos, esquisitos. Mas foi único para desenvolver a pesquisa que desenvolvi.
Eu te diria que em 1986 eu parei de dançar para decifrar um processo, porque se ficasse só no meu corpo, eu poderia estar seguindo aí, mas enquanto pesquisa não teria evoluído, eu poderia ter usufruído mais para mim, não é? Foi muito interessante, o que acontecia comigo era um processo individualizado, eu fui ver que não acontecia no outro. Foi isso que impulsionou então a construção do BPI. Foi muito na prática, no fazer. Depois é que entrou o processo de entender o que era aquilo, com o que eu estava mexendo. E é interessante, pois o BPI é meio um "decifra-me ou devoro-te".
Ele tem uma questão emocional, ele é um... um fio, há uma linha mestra dentro dele. Precisei antes fazer todo um processo comigo mesma, eu diria, é autoconhecimento, é terapêutico, é tudo isso e mais alguma coisa. Para entender como é que é esse negócio, que não é músculo, não é pele, mas que também é. Como é o movimento de tudo isso?! Acho que foi esse o espaço que tive para desenvolver essa pesquisa. Ela teve que ficar muito fechada, mas agora, com a tese de doutorado, ela é um outro momento. Mas não dava para ficar por aí saracoteando, senão não desenvolvia o que tinha que ser desenvolvido. Acho o BPI uma pesquisa seriíssima, e os mestres estão aí dentro, com certeza! Quanta coisa deve ter ainda inconsciente dentro disso. Tive que virar psicóloga. Fazer um curso de psicologia, para falar coisas abertamente e me bancar eu mesma, porque como dançarina eu não poderia, mas não precisaria. Mas eu acho que valeu, é bom estudar... foi útil para reforçar determinadas questões na arte, na dança, não é querer juntar psicologia com dança, com arte... não é nada disso. São coisas que são do artista e que, do meu ponto de vista, é difícil mesmo para uma companhia lidar.
Tem certas questões metodológicas da dança que não têm como ser desenvolvidas em outro espaço que não o da universidade. E que também é a gente ocupando esse espaço. Acho que é sempre uma via de mão dupla. Agora a gente nunca pode esquecer de onde veio, pois  a arte teve a sua inserção tardia dentro da universidade. Se a gente começar a se ver sabendo demais, aí as nossas pesquisas poderão se cristalizar. O corpo é sempre uma pergunta, processo criativo é pergunta constante, é dúvida, porque, aí eu volto lá atrás, é a imagem que eu tenho lá, da primeira questão, que é a hora que você entra na sala de aula e você olha no primeiro segundo e vê o grupo. O que fazer? O que que eu faço agora? O que é para ser feito? Esse momento não pode ser perdido. A nossa matéria é muito vulnerável, é como se fosse uma janela de vidro. Não é algo forte, com pilastras, com pilares. E mata, ou faz viver!
Arnaldo Alvarenga: Fica claro que no seu processo a condição de intérprete contribuiu, e muito, para a sua condição de professora. Agora, você acha que o professor pode prescindir da condição de intérprete?
Graziela Rodrigues: De dança? Ensinar dança? Sem ter dançado, sem viver no corpo? Não sei te responder. Acho difícil. Eu vejo assim, atualmente, são muitas as áreas que podem e que têm dado uma contribuição fantástica para a área da dança. Até mesmo quando fizemos um projeto pedagógico, tivemos que falar para a universidade que a dança era uma área de conhecimento tardia e que muitas coisas dela a gente ainda não sabia como dizer. E aí é óbvio que a gente também teve que colocar as várias áreas de conheci- mento (psicologia, antropologia, pedagogia, história, teoria, etc.) congregando e ajudando até no se falar dessa dança, porque tem a dança que a gente dançou, tem a dança que a gente idealizou e tem uma dança que é a dança do sonho, que está lá adiante. Penso que o que nos dá suporte, nos segura, inclusive, é essa dança ainda não dançada. Esse é o grande feeling, não é? É o que nos mantém vivos. E aí vejo que a contribuição de profissionais de outras áreas tem valido muito. Porém, não estou querendo afirmar, mas acho difícil ensinar dança sem ter dançado. Pelo menos a gente tem mantido esse princípio, é essa via, é a via do corpo, é um negócio complexo, não é tão simples.

Marika Gidali

Oficialmente eu assino Marie Gidali Duprat e o meu nome artístico, que é o meu nome verdadeiro, é Marika Gidali. Data de nascimento, 29 de abril de 1937. Buda- peste, Hungria.
Mestres? Todos foram.
Como você ensina a dança? É complicado, eu não ensino dança, eu vivencio e divido minhas sabedorias com as pessoas que me rodeiam, mas na verdade não são as minhas sabedorias, mas as minhas dúvidas. Eu divido, sempre dividi com meus colegas, então fui autodidata até praticamente o Ballet Stagium, com uma pequena interferência do Ballet IV Centenário.
Aurélio Milloss, Ismael Guiser, todos. Mas foi com Reneé Gumiel que realmente senti a dança como dança! Para ensinar a dança... Era tão difícil para mim dançar, todo mundo achava que eu não ia dar em nada, não seria bailarina. Aliás, do Ballet IV Centenário a única que não seria nada era eu. Eu fazia aula de manhã, na hora do almoço, na hora do jantar, algumas aulas com os professores, outras com as minhas dúvidas, e aí eu chamava Neide Rossi, a Yara Von Lindenau, para fazer. A gente fazia aula uma na frente da outra, uma corrigia a outra. A gente se fechava na sala e ficava dividindo problemas. E, para elas, tudo era muito fácil, tudo encaixadinho. Para  mim era superdifícil, mas a gente discutia muito  as coisas e o que era difícil para mim. Eu ficava exercitando mais do que elas precisavam. Me xingavam bastante, porque elas já tinham chegado ao ponto e eu não. Então, sempre ensinei. Ensinei o que eu não sabia, mostrava o que eu não sabia e dividia os meus problemas sem o menor problema, chorava também!
Olhava de lado, assim, no espelho, e tinha um peito desse tamanho, era horrível. Não tinha corpo para bailarina, de jeito nenhum, a gente olhando aqueles pés maravilhosos - os meus são duros. Os meus primeiros anos, de 1953 a 1955, foram um castigo. Ao mesmo tempo, pesquisei aquilo tudo, pesquisava como levantar a perna, como esticar a ponta, como não se desencaixar. Era um problema muito sério, eu perseguia a perfeição, fui muito perfeccionista, levei muitos anos da minha vida correndo atrás disso.
Eu estava no Ballet IV Centenário, fui para o Rio  de Janeiro. Voltei para São Paulo. Não tinha nada em São Paulo de dança, aí fiquei sozinha mesmo, eu e a sala. Aluguei uma sala para poder fazer aula, mas sem- pre tinha gente do meu lado e eu procurava passar as minhas descobertas, passou por aí o ensinar: como que é faz, como não faz, como que segura na barra, como segura o corpo, como subir, como não levantar a perna encaixado, desencaixado, como fazer a pirueta, como fazer o equilíbrio. Foi tudo assim metódico. A gente repetia aquilo durante anos. Então, é uma coisa que fui montando, a minha forma de ser na dança e aquilo que regeria o caminho de meu espaço.
Eu acho muito importante você entrar numa sala  de aula e procurar o máximo possível da lei da dança, porque tem uma lei lá, tem uma razão de ser também. Procuro seguir isso, mas também aliviar um pouco a tensão de viver correndo atrás dessa técnica. A coisa que eu mais respeito na minha caminhada: como tornar essa coisa tão rígida uma coisa prazerosa. Aí comecei a pensar em prazer, como quando a gente entra na sala de aula. Quando é a primeira vez que você entra na sala, aquilo te encanta, tudo é maravilhoso, tudo é mágico. Como é que você recupera isso? Ao mesmo tempo que você é levado nessa rigidez que é a Dança Clássica - e   a minha procura sempre foi essa, como tornar o Balé Clássico, a técnica da Dança Clássica, uma coisa prazerosa -, fazer cada pessoa descobrir os seus limites e a sua potencialidade. Aceitar isso, mas trabalhar no auge daquilo que o seu corpo dá.
Se o meu corpo dá 45 graus de altura da minha perna, é isso que eu vou fazer maravilhosamente bem cada dia. E não vou querer fazer, sei lá, levantar a perna lá para trás, isso como um exemplo. Mas isso não vai me derrubar, pelo contrário, esses 45 graus muito bem feitos, plenos, serão o meu espaço. Isso não quer dizer que eu não vou ser uma grande bailarina. Grande bailarina no sentido do meu “ser dançando”. Não vai atrapalhar o meu artista, os 45 graus que eu consigo fazer, eu tenho que fazer; nunca vou fazer 44, nem 43, nem 42, nem 41... São 45 graus. Se minha perna chega a 45 graus, lá ela vai ficar, e, se não levantar mais, não vai me derrubar. Isso como um símbolo de conquista, não acomodar em minhas dificuldades, muito pelo contrário, nunca vou me acomodar em minhas dificuldades. Vou procurar a minha plenitude dentro dos meus limites, porque cada corpo tem um limite. Mas dar o máximo daquilo que o limite de seu corpo permite, o máximo, nunca menos do que isso.
Não ficar olhando aquele outro corpo que deu aquela outra coisa e dizer: “Ai, eu vou atrás disso”. Não,  não, não é atrás deste negócio que eu vou, eu vou atrás de mim mesma, vou atrás da minha bailarina. Então, minha bailarina aí nasce plena, bonita, artista, e dança sem problemas. É uma coisa que eu gosto de fazer: ensinar Balé Clássico principalmente para gente que está começando, e para os profissionais, eu adoro desmistificar a bobageira toda. Gosto de ensinar a pessoa a aceitar aquilo que tem e lutar em cima disso dentro da sua plenitude.
Como que eu crio? Eu sou uma pessoa altamente cri- ativa, tanto dentro da sala de aula como fora dela. Acho que hoje em dia você ser uma bailarina é um ato de criação, você viver da dança e perseguir a dança, viver nesse meio, tem que ser muito criativa, senão você sucumbe. Você tem que criar, criar situações. Eu não vejo diferença entre criar situações aqui e agora e dentro de uma sala de aula, onde você vai criar uma outra situação. E também é uma questão de propósito: você propõe a criação de uma obra dentro de uma sala de aula, e a cria exatamente do jeito que você criou aquela outra obra lá fora, que acaba influenciando esta obra aqui dentro, não é? Então não consigo diferenciar muito, aliás, nada, não diferencio nada do ato de criar. O ato de criar é um momento mágico, e é superlegal se você consegue viver esse momento mágico aqui fora do palco e da sala e dentro deles. Se você lá fora estiver vazio, aqui dentro também não vai acontecer nada, vai acontecer uma criação oca. O mundo alimenta demais o seu momento criador. Se consegue, você vai dizer: “Ó, meu Deus, superlegal, que bonito, que gostoso, viver assim”, porque é muito chato quando você tem que fazer rotina e as- sinar ponto, coisa que eu evitei a vida inteira.
Cássia Navas: Como é que você vê as maneiras de ensinar no Brasil hoje?
Marika Gidali: É copiativo, com exceções, graças a Deus. Mas é altamente copiativo. Está certo isso? De- pois do advento desses vídeos, ficou pior ainda. Antigamente você viajava pelo Brasil, olhava, tinha coisa errada, mas também tinha umas coisas tão bonitas nascendo. Você dizia: “Bom, daqui uns anos, isso aqui, se aprofundado bem, vai poder dar em alguma coisa”. Agora ficou tudo igualzinho ao vídeo “X”, que está para vender. Você pega hoje, pede um vídeo pela revista, vê e aí cada um ensina aquilo que entendeu daquele negócio, é péssimo! É um atraso de vida! Salvo pelos poucos que pensam! Se isso tem valor ou não, eu não quero discutir, mas para mim, como criação e como ver a dança no Brasil, assim, está complicado... As pessoas tinham que parar, pensar, juntar, conversar... Sei lá, tem tanta coisa para fazer. E discutir a dança não em palavras, mas discutir a dança em atos, fatos e criações que dariam muito mais resultado que copiar um vídeo e dizer: “Ó, que obra!” Sinto falta de uma inquietação na dança. Uma in- quietação verdadeira, que na época que não existia essa coisa de vídeo, existia mais facilmente. A gente conversava sobre a dança com as mesmas dúvidas. Hoje em dia conversam: “Como você copiou bem!” ou “Como você despistou!” Qual foi a forma que você despistou aquilo?" O que é isso!? Quer dizer, não me interessa. Essa coisa, realmente, eu acho desinteressante.
Arnaldo Alvarenga: Você falou da sua dificuldade, do seu esforço, da sua batalha, do seu processo de formação. Agora, como esse esforço, essa dificuldade, que você vivenciou, foi levada para a sua condição de alguém que ensina? No sentido da formação e no sentido de alguém que cria para alguém. Como é que a dificuldade do outro chega até você? Na condição de professor e na condição de alguém que cria para alguém que irá interpretar?
Marika Gidali: Há uma certa identificação. Você  vê a pessoa e você se identifica com ela. Acho que o professor é superlegal quando olha o aluno e acaba se identificando com várias coisas. Vamos dizer que ele não consegue subir na meia ponta, aí você diz: “O que eu lutei por esse negócio. Vamos ver qual é o caminho mais prazeroso que eu vou achar para ele, para ele não se derrubar por causa disso”. Procuro identificações com as dificuldades. E também há os perigos das facilidades. O perigo da facilidade, acho ainda mais complicado, porque a pessoa, às vezes, resolve que tem a perna lá em cima, e não faz mais nada a não ser jogar aquela perna lá para o ar. E não consegue fazer um relevé, ficar em arabesque, porque joga tanto aquela perna que acaba se derrubando. Há aquele que é altamente intelectual e não faz outra coisa, intelectualiza e vai... Acaba se fechando de tal forma que acaba não dançando também.
O balé é tanta técnica, tanta perfeição, que a pessoa esquece de dançar, não consegue fazer mais nada. Mas se você começa a ensinar o respeito pelo corpo, você começa a fazer o aluno se olhar com um pouquinho mais de carinho... Senão vira uma coisa absolutamente sádica, porque a Dança Clássica, ela é antianatômica, então, isso tem que ser feito com muito, muito carinho.
Vamos falar de metodologia. Eu adoro quando o Plínio Marcos fala assim: “Quando uma coisa vira mé- todo, acabou de ser método, não é mais nada”. Então é bobagem fazer isso? Não, sempre achei que a dança há que ser trabalhada e codificada. Antes de ser codificada e ensinada, você tem que trabalhar os cinco sentidos, e prazerosamente. Temos que ver qual é a dança. No caso do Balé Clássico, o que a gente precisa? Então pegamos os cinco sentidos e trabalhamos aquilo profundamente. Isso eu posso falar através da Joaninha, o projeto com crianças que estamos fazendo, que foi um plano piloto de uma metodologia que acabou não sendo metodologia, mas foi muito bom para chegar onde chegou. Nós começamos a sensibilizar o corpo da criançada através de música, teatro, canto, percussão corporal, dança, es- paço, acrobacia, dança de rua, capoeira... a tal ponto de ficarmos dois anos só nisso. No terceiro ano entramos em codificação, quer dizer, hoje em dia eles têm aula de Balé Clássico. Mas com toda essa fórmula de que estou falando, os professores que dão aula, dão aula pensando muito mais no prazer das coisas, e respeitando limites.
Não consigo desprezar a técnica clássica, o Balé Clássico, ele é muito exato, disciplinado, trabalha fisicamente a pessoa e dá uma infra-estrutura fantástica, desde que você não feche o aluno no Balé Clássico como um fim, ele tem que ser uma educação, um caminho para outros caminhos. Gosto dele porque ele me ajuda, é concreto, palpável, e eu sinto que hoje em dia a criançada não faz o Balé Clássico rígido, mas prazeroso, aí você consegue chegar a um fim que não seja um fim, mas um começo de uma caminhada. Essa é minha metodologia. 
Quanto à dança no Brasil e no mundo, é um problema de identidade, não é? Nós temos aqui uma coisa maravilhosa que é a diversidade, e é ela que faz o homem dançante brasileiro ser dançante brasileiro. Sendo isso respeitado, nós não vamos inventar uma nova dança, mas nós estamos criando um novo momento.   E o mundo está muito preocupado com a identidade, principalmente no momento da globalização. Começou a ficar complicado, porque se você globalizar sem identidade de cada espaço, de cada lugar, tudo vira um pasticho. Não precisa ser completamente diferente, mas eu acho que a identidade nossa tem que estar presente. A dança no mundo, a criação deveria ser muito respeitada, no sentido de cada pessoa, dos perfis de cada lugar e da identidade de cada lugar, para a gente poder estar no mundo, no universo.

Zélia Monteiro

Meu nome completo é Maria Zélia Bacellar Monteiro, nome artístico Zélia Monteiro, nasci em São Pau- lo no dia 8 de março de 1960.
Um mestre? Tem os mestres e tem O mestre. Eu comecei no Stagium, com o Décio Otero e a Iracity Cardoso. Depois estudei muitos anos com a Maria Mer- lot, que foi uma grande mestra. E o Klauss, o grande mestre mesmo foi Klauss, do qual até hoje não me se- parei... A gente vai se separando dos mestres, mas do Klauss ainda não, ainda não separei.
Como ensina a dança? Bom, eu mudei muito minha maneira de ensinar dança depois que conheci o Klauss, trabalhei com ele. Hoje em dia, no trabalho que faço, procuro trazer um pouco o aluno para o corpo dele, ou trazer o corpo do aluno para ele mesmo. Aproximar um pouco o corpo da pessoa. Considero assim, uma didática aberta, porque... não é que eu ensine alguma coisa, mas é um trabalho de sensibilizar, de procurar, ir sugerindo. Você vai, através de algumas diretrizes, sugerindo, para que ele comece a perceber o corpo, como esse corpo se move, como ele sente o corpo.
Essa ruptura que falei de antes e depois do Klauss foi um pouco relacionada com o modelo no ensino    da dança. Você não partir de um modelo, de um lugar onde você tem que chegar, mas partir da sua sensação, do seu corpo, seu peso, suas articulações, do que é tensão, do que é relaxamento, do que é o espaço interno, espaço articular, e de como esse corpo vai se relacionar com o espaço, com as outras pessoas, tudo isso vai sendo trabalhado, quer dizer, o próprio aluno é que vai descobrindo, uns mais rápidos outros mais lentos, vai de cada um. Um pouco com as instruções que você vai sugerindo para eles, cada um vai fazendo o seu caminho, dentro disso.
Eu ensino balé, também, e improvisação. E  nos dois eu trabalho mais ou menos do mesmo jeito. No caso do Balé Clássico, depois desse trabalho de sensibilização, da pessoa ir se apropriando mais do corpo, ela vai para a barra, e aí é que vou introduzir o código do balé, para aquele corpo que ela já tem, que ela já está descobrindo, ou não. Ou que ela já está mais em posse dele. Esse corpo é que vai aprender o que é um plié,  que não é tão diferente de sentar numa cadeira, fazer um demiplié, ou um grandplié. E é um pouco a partir da mesma musculatura, dos mesmos apoios que você usa para andar, correr, sentar, para abrir a porta, fechar a porta, para dirigir, na verdade você vai dando a ponte de que essas mesmas musculaturas, essas mesmas articulações é que são usadas para fazer balé. É o mesmo corpo. Na verdade, faço um pouquinho essa ponte nas aulas de balé.
Quando faço um trabalho só de consciência de corpo, o caminho vai se abrindo mais para a criação. Em vez de perceber um código, seria para você criar com o seu corpo, você fazendo as suas conexões, a partir daquilo que você vai percebendo, já vai criando. Porque são conexões que você estabeleceu, então você já começa a criar a partir daí.
Acho que já entrei nesse tópico “como cria a dança”, não? Também uso, tanto para mim quanto para os alunos, é parecido um pouco o mesmo processo, perceber como estou me sentindo hoje, que é uma frase do Klauss que uso sempre para mim. Quando entro   no estúdio para ensaiar, começo sempre por aí: como é que estou me sentindo agora, nesse momento, aqui? E a partir daí, começo a me perceber naquele momento presente, perceber coisas bem concretas, também. Pode ser sua emoção, mas também seu peso, tuas tensões, suas articulações... Assim, a partir de como estou me sentindo naquele momento, vou começar um trabalho de aquecimento para meu corpo. E, desse próprio aquecimento, de novo, é a mesma coisa, você vai criando algumas conexões. Por exemplo, se percebi que hoje estou muito tensa no pescoço, vou começar com um trabalho de procurar relaxar essa musculatura, ou usando recursos da Eutonia, ou simplesmente com movimentos do pescoço.  Vou  começar a me aquecer dessa forma,   e dali a pouco já começo a sentir esse movimento da cervical ir passando pela coluna, já vou aquecendo coluna, bacia, chegando na coxofemoral, vai descendo pelas pernas, o corpo todo vai entrando em movimento e vai começando a dançar. Bom, aí vai ficando mais elaborado, vai entrando a relação com seu corpo, você vai começando a trabalhar mais com o peso, com a gravidade, o espaço, vai desenhando o gesto no espaço.
Quando você desenha o gesto no espaço, você começa a perceber a intenção daquele gesto... Muitas  vezes vem uma imagem, aí você mantém um pouco aquela imagem, você vai criando vários gestos que têm acordo com aquela imagem, que fazem parte daquela imagem que você percebeu, mas tudo nasce no corpo, não é que primeiro eu trabalho com uma imagem, com uma idéia. Ao contrário, tudo veio lá daquela tensão no pescoço que comecei a tentar soltar.
Trabalho basicamente com improvisação, uso a conexão que é feita na hora e quando vou dançar no pal- co, também é o mesmo processo. Para os alunos, com quem trabalho a improvisação, é o mesmo processo, só que é o processo deles, você fica mais de fora observando as conexões que eles vão fazendo. E, às vezes, você percebe bloqueios. E se você pode ajudar naquele bloqueio, dou uma dica, onde o movimento está bloqueando, mas é o mesmo processo de criação que vou conduzindo com eles.
Agora, como vejo as maneiras de ensinar e criar dança no Brasil e no mundo? É a questão da identidade, é o que mais me vem, também, quando penso no ensino de dança no Brasil. E, nesse sentido, aproveitar tudo que tem aqui, pois há muita coisa aqui, é a diversidade, mesmo. Nós tivemos a escola russa, a escola italiana. Eu fiz Maria Merlot, era escola italiana de balé. Ela fez aula com Cechetti, já é uma coisa muito interessante, veio parar aqui no Brasil. Há a dança popular e a capoeira, diversidade mesmo que, acredito, podia ser mais bem aproveitada. Parar de importar as coisas. O Royal, diploma de Royal!, que não tem nada a ver com a gente. Até o Klauss definia esse diploma de Royal de uma maneira que eu concordo totalmente: "É a mesma coisa que ter um pingüim em cima da geladeira". Uma coisa que não tem nada a ver com a gente, você estuda uma apostila, fica decorando aquela apostila, fazendo aquilo de qualquer jeito, de uma forma muito automática, aí vem o examinador, dá uma nota, você tem um diploma. Agora tem a Escola do Bolshoi, no Sul. Eu não a conheço bem; mas, acho, não precisamos disso. Temos aqui todas as descendências das escolas européias e americanas e tudo o que foi criado aqui. Então, é importar menos, precisamos trabalhar mais com o que a gente já tem aqui, com a nossa riqueza.
Cássia Navas: Você, como intérprete e como aluna, mesmo antes de conhecer o Klauss, você já ensinava, era professora, aluna e intérprete. O Klauss muda muita coisa em você como intérprete, como professora e como aluna. Muda, metodologicamente, a sua forma de trabalhar?
Zélia Monteiro: Mudou, mudou! Antes do Klauss, eu entrava direto no código do balé, não fazia essa ponte, não tentava fazer essa ponte, ajudar o aluno nessa pon- te. Na criação também. Antes, eu criava a partir de uma idéia, ficava improvisando em cima, mas não tinha muita ferramenta para trazer aquela idéia para o corpo, ficava um hiato aí. Fazia por intuição, às vezes dava umas coisas interessantes, até. Mas não sabia o caminho que eu tinha feito. Ficava com aquela idéia na cabeça para ver se ia para o corpo também. Não tinha uma metodologia de trabalho, não tinha um procedimento, não sei nem se é metodologia ou não, eu não tinha um procedimento para entrar num estúdio e falar: bom, estou em processo de criação. Eu me jogava na sala, me trancava lá e ficava. Agora posso pensar em casa, às vezes já chego com tudo. Em casa, elaboro um procedimento e já chego no es- túdio para experimentar aquilo, para ver se funciona ou não. Às vezes não funciona, mas já consigo fazer esse caminho, que antes não existia.
Cássia Navas: Você  morou um tempo na França  e às vezes comentava que existia uma maneira de dançar que era daquele país, independente do que estivesse sendo dançado. Existe uma maneira diferente de ensinar também? O que é específico do Brasil? Como você diferencia uma coisa e outra, nesta bipolaridade que você vivenciou de uma maneira mais próxima?
Zélia Monteiro: Algumas coisas que consegui observar é que aqui a gente tinha uma relação no ensino da dança muito mais matriarcal, patriarcal. Professor de dança é a mãezona, o paizão. Ele quase tem que dançar pelo aluno às vezes, tem que ensinar tudo e ainda dançar no lugar do aluno. Aqui um aluno encontra um mestre, segue, gruda nele, depois gruda no outro, é as- sim que você vai conseguindo fazer uma formação, vai grudando naqueles professores que você vê que podem te ensinar. Na França, é muito mais impessoal a relação de ensino, não tem essa coisa daqui. Há muito mais independência, o bailarino vai fazendo sua formação quase que na base de workshops, ele não tem aquele mestre, que nem aqui vocês perguntaram para todos nós: o mestre, os mestres! Lá, eu não via mestres. É claro que tem os grandes professores, mas o aluno não precisa grudar em algum para aprender. Ele vai a workshops menores, mais curtos, fazendo uma formação. E não tem essa coisa de corrigir, cada um trabalha por si, é uma autonomia maior que os alunos de dança têm lá. O aluno entra na sala e procura se virar para entender  o que o professor está colocando ali. Na dança em si, tem aquela coisa do francês que eu acho muito barroco, mesmo na dança contemporânea, acho os franceses superbarrocos, mas, não sei, não vejo como isso se passa em sala de aula, mas eu enxergo isto mesmo na Dança Contemporânea francesa. Tem uma coisa com o bar- roco, com os pequenos gestos.
Arnaldo Alvarenga: Você disse que “muitas das coisas que fez na condição de professora vinham meio intuitivamente”. E Graziela também falou que na vivência dela, de intérprete, o professor e as possibilidades de processos investigativos e de criação vieram surgindo, até que ela teve que parar, sendo o campo acadêmico um lugar onde ela percebeu que só ali teria as condições fundamentais para que essa pesquisa continuasse. Como está sendo a experiência de ser docente no curso Comunicação e Artes do Corpo (PUC/SP) para você?
Zélia Monteiro: Em 2003, acho que comecei a entrar mais. Na PUC eu tive a experiência de direção com 18 pessoas. Fui tendo que colocar coisas da minha pesquisa para muita gente, para gente que tinha mais experiência de ter trabalhado comigo, para pessoas que nunca tinham trabalhado dentro da técnica comigo ou com outras pessoas que trabalham com a técnica do Klauss. Tive que dirigir tudo isso, todos esses corpos, em princípios duma pedagogia bem aberta. Foi aí que comecei a perceber o campo que a universidade poderia trazer para mim, de pesquisa, porque eu nunca tinha tido essa oportunidade: tantos corpos diferentes, com trabalhos técnicos diferentes. E que não sabiam nada daquilo que eu estava falando, sendo que tínhamos que apresentar um resultado final. Esses desafios a academia me proporcionou.

Umberto da Silva

Eu sou Umberto da Silva, eu tenho o mesmo nome artístico. Nasci no dia 6 de maio de 1951, no Rio de Janeiro.
Quando comecei a dançar, a princípio eu detestei os corpos dos homens, tive um certo preconceito, aquela musculatura desenhada, aqueles corpos que ficavam muito femininos; a meu ver, naquela época, naquela idade, não gostei dos homens na dança, eu gostava muito de ver as meninas dançando. Acho que para entender a dança e o porquê da dança na minha vida... Talvez seja porque eu tive que dar espaço para o feminino, porque eu tive que entender, com a maturidade, que o princípio da dança é feminino, a nossa deusa é Terpsícore, portanto, ela é a que abençoa, e é uma mulher! O homem para poder entrar na dança tem que se despojar do masculino, de certa maneira, não de se despojar, mas ele tem que dividir o herói com o feminino, o que propõe o corpo, porque o corpo tem que ser delicado, você tem que ter uma delicadeza, não é uma atividade de guerra, é uma atividade poética.

Mestres: Edmundo Carijó, Marika Gidali, Angel Vi- anna, Semi Jambai, Tatiana Leskowa e Klauss Vianna.

Com o Val Foly eu descobri o meu autor-intérprete, e com o professor cubano Jorge Garcia, através das aulas dele eu entendi a mecânica, como tornar esta coisa tão rígida numa coisa prazerosa, não mais aquele ensina- mento da impossibilidade de fazer. Ele dava espaço, durante os exercícios, para o exercício acontecer, não para não acontecer, não para ficar difícil. Não era que ele facilitava, mas ele tinha uma didática, uma maneira, um jeito de ensinar muito, muito legal. Depois eu fui dar aula, graças a este professor, porque ele me ensinou a dar aula. Basicamente, pela aula dele eu entendi como eu poderia dar uma aula de dança, através do entendi- mento dele, na organização daqueles exercícios, como ele pensava aqueles exercícios.
Este foi um professor que realmente me deu a chave para o ensino, porque eu não fui criado para ser um professor, eu fui criado para ser um artista, eu nunca dei aula de dança, durante a minha vida profissional. Quando eu comecei a dar aula de dança, foi como convidado já para dar aula para profissionais depois dos meus 30 anos, depois de uma carreira já feita. Eu não tinha coragem de dar aula, eu achava que eu não era capaz, eu achava muito difícil dar aula, mexer nos corpos, enfrentar uma sala de aula. Não tinha nascido para aquilo. A parte toda pedagógica da minha vida surge de- pois dos 30 anos, depois que eu já estava bem maduro. E tudo devido a este professor, que foi uma marca na minha vida, o Jorge Garcia.
Eu comecei a ensinar dança conforme eu aprendi a dança. Eu ensinei a partir do momento que achei que tinha que ser fácil, que não tinha que ser difícil, aí eu tive coragem de ensinar. Quando comecei a dar aula para os profissionais, fui ser professor logo dos meus colegas, fui professor do Balé da Cidade de São Paulo, eu ensinava tirando bastante proveito dos exercícios da técnica clássica, em função de uma maneira fácil de fazer. Eu mexo com a dança por aí, não tem nenhuma dificuldade, procuro a facilidade, e não acho que ela seja do outro mundo, embora tenha sofrido a mesma coisa que a Marika, que todo mundo sofre de uma certa maneira. Eu não ensino só dança clássica, eu trabalho com uma gama muito grande de técnicas. Mas não me atrevo a dar aula de Martha Grahan, nem de José Limón, mas todas estas técnicas estão dentro da minha formação como bailarino. Tive uma formação muitíssimo grande, de técnicas diversas, linguagens diversas, porque só assim eu poderia escrever “diversos textos”. Pude trabalhar em televisão, em shows, musicais, em tudo que foi buraco que me desse dinheiro, porque era minha profissão, e eu jamais tive preconceito com ela. Eu fiz aula de jazz com o Lenny Dale, trabalhei na companhia dele da mesma maneira, com a mesma posição que eu fazia um clássico no teatro municipal ou um moderno em qualquer lugar.
Como eu crio a dança? Isso para mim é a parte mais gostosa de falar. Eu gosto da criação, da parte criativa da vida, fazer a comida, gosto de desenhar, gosto deste lado, para mim, criar não é nenhum ato egóico ou Estou criando! São sempre revelações que eu tenho, alguma coisa se revela e eu vou tentar transcodificar para uma estética que esteja adequada para onde eu vou, para  que lugar eu vou. Eu preciso saber todas as condições climáticas para fazer a minha mala e saber que roupa que eu vou levar, tenho todo um procedimento comigo, pessoal, que é muito sistemático. Posso criar uma coisa assim, chula, de qualquer jeito, mas em geral eu preciso ter várias perguntas. Eu sou um criador, um artista, mas não criei nenhum método. Tive contato com um método de trabalho, em um curso generosamente dado no Brasil, pelo Goethe Institut e pela Universidade da Bahia, sobre o método de trabalho da Pina Bausch. Eu já tinha uma base com o Val Foly, e este curso reforçou tudo aquilo que eu trabalhara com ele e que ainda não estava escrito, decodificado. Eu aprendi um jeito de trabalhar, um método, e dali eu fui. Foi a coisa que achei mais interessante: o como criar! Porque não acreditei em nenhum curso de coreografia que eu freqüentei, achei tudo sem bases para se raciocinar a criação, mas no caso do método da Pina Bausch, que é uma coisa universal, já foi muito legal e me ajudou muito. Continuo trabalhando-o nas minhas aulas, que não são de improvisação, mas uma reflexão sobre a criação, sobre a técnica, sobre o corpo, já que hoje me interesso muito mais sobre a maneira de fazer, da relação do corpo com o espaço.
Uso o método na hora da criação, pois acho que ele auxilia as pessoas a se conhecerem, a tirar dúvidas a respeito da técnica, das técnicas diversas que elas estudaram. Como é que, por exemplo, um determinado movimento, que corresponde à técnica clássica, acontece numa dança moderna, em diversas linguagens? Como   é que este método auxilia você a refletir sobre isso e  até abrir outras possibilidades? Criar ares novos, sempre ares novos, e é um método tão recente, que nem ela sabe direito, é tão de agora. No entanto, é uma coisa que dá um frescor aos intérpretes que estão querendo esta libertação. Sinto que há sempre uma resposta bastante positiva nos cursos que dou com esse método. E, normalmente, eu uso aqueles procedimentos que aprendi, com algumas pinceladas minhas.
A criação é uma revelação e um ato de amor, porque ela se revela e você tem que revelá-la para o outro. Trabalho sempre nessa triangulação, eu com aquela coisa que se revelou, aquela poesia, aquela metáfora, aquela coisa lá, e como vou passar isso para o público, porque tem uma perda aí, um trânsito superdifícil, porque de- pende muito daquele momento. Em qual estética que eu vou colocar isso, como eu falei há pouco, de que maneira eu posso ser, generosamente, sem querer perder muito daquilo, mas também colocar sob o meu olhar, sob o meu ponto de vista, não perder a minha reflexão sobre aquilo para poder passar adiante.
Cássia Navas: O que você acha da forma como a dança está sendo ensinada hoje?
Umberto da Silva: É uma questão grande, ando com isto na minha cabeça. Trabalhei recentemente numa companhia onde passavam vários professores, quase que semanalmente tinha um professor diferente. Foram quatro anos assim, pude perceber professores mais velhos, já mestres, mais jovens, experimentais, de todo jeito. Acho que o mercado cresceu muito. Na min- ha época não tinha quase bailarino, não tinha mercado de trabalho, quando comecei no Balé do Teatro Guaíra, nós éramos três homens. Foi o primeiro trabalho que eu tive, três bailarinos, “caçados”, ainda não tão formados. Lembro-me de que, quando a gente remontava algum balé no Ballet do Theatro Municipal (RJ), tinha que vir a fulana que tinha parado de dançar para contar como que era o lugar (papel) dela. Como a Marika estava falando, era um outro procedimento, uma outra maneira de se relacionar com o que já tinha sido feito. Acho que a partir do vídeo e desta comunicação para a qual o mundo despertou, acho que é muito recente tudo, todas essas possibilidades. Tudo passa muito rápido, acho que isso é o ponto para mim, a criação já nasce abortada ou os métodos de ensino já vêm meio abortados, ou eles já viram um clássico, uma tradição. E esse já não interessa mais, já está superado, já tem um outro ali em frente. Essa urgência e essa coisa do mais para frente, mais para frente, acho que é um problema que não é para   eu resolver, nem para nós da nossa geração, acho que é um problema que está vindo por aí, porque a gente não pode nem acompanhar isso. Eu vejo a minha geração não conseguindo acompanhar esta multiplicidade, esta globalização no ensino, porque a informação é muita.
Atualmente, a gente já sabe até como é que os monges no Himalaia se aquecem, e eles já fazem demonstração no mundo todo, coisa que há 30 anos atrás nós não tínhamos acesso. Essa contaminação de diversas linguagens, expressões de dança, restos, memórias do passado, esse quadro todo que é pós-moderno, que era o pós-moderno lá atrás, mas que continua reverberando. A gente não sabe direito, acho que vai se mixando tudo, um exercício de yoga que faz bem naquele momento pode ser colocado dentro, por exemplo, no intervalo de um battemant tendu para um battemant jeté, ou para uma contração ou para uma descontração. É bem-vindo um Alexander, um exercício de Eutonia que sirva para mel- horar a qualidade, o que se anda buscando e que a dança veio com esta função muito grande.
A qualidade de vida está ligada a como você se rela- ciona com seu corpo. E a dança, que antigamente, nos anos 50, servia para as boas maneiras, saiu desse quadro das boas maneiras e passou para uma dança-saúde, dança-harmonia, harmonização. As técnicas todas se diluíram, pois qualquer técnica que leve ao autoconhecimento cria a possibilidade de trânsito em profundidade. A partir de tudo isto, no ensino e na dança, há a possibilidade de se criar uma linguagem própria. Até, se você for capaz, você já está criando um “texto”, você já tem uma possibilidade cênica aí escrita, então isso também tira um bocado o tapete, desestrutura a estrutura da dança clássica, ou qualquer técnica que seja, Martha Grahan, José  Limón. Acontece uma mexida, e pode  ser qualquer uma, desde que você tenha esta busca. O mundo ficou esta mistura, no ensino principalmente. Mas temos também algumas escolas que resguardam alguns princípios.
Arnaldo Alvarenga: Desvestindo todo pudor, toda a modéstia. O que cada um de vocês sente, percebe que está aportando ao trabalho da dança? Com o que cada um de vocês está contribuindo nesse momento?
Zélia Monteiro: O que eu posso estar trazendo? A primeira coisa que me vem sou eu poder ser um canal aberto de continuidade de trabalho dos meus mestres. Na verdade, meu trabalho é o meu trabalho, é outro, não é o deles, o que eu desenvolvo com os meus alu- nos veio de mim, mas na verdade eu sinto que dou essa possibilidade... manter vivo, não é? Principalmente o trabalho da Maria Merlot e do Klauss; talvez seja essa a maior importância. O resto cabe aos outros falarem.
Graziela Rodrigues: Quanto à contribuição, eu acho que tudo o que eu fiz, que eu dancei, foi para construir um método muito sério, novo. Não tem nada que eu possa dizer que é similar a ele, é um método novo, e eu o assumo, sabendo que tem toda essa bagagem. Não é a questão de personalismo, é o significado disso quanto uma massa crítica, que não é só de um corpo, mas de muitos corpos.
Marika Gidali: Quando penso no que estou fazendo, sem nenhuma modéstia: eu estou abrindo portas para o quanto mais as pessoas fizerem, melhor, eu tenho várias áreas de ação. O grupo profissional, onde eu toco o público, e, de alguma forma, construo cada bailarino daqueles. Construir uma companhia de balé em 1971, no momento que ninguém acreditava em nada... Posso dizer que foi antes e depois, porque antes as pessoas pegavam o avião e iam embora do Brasil; depois do Ballet Stagium, as coisas começaram a fervilhar por aqui. Fiz isso com dança, e é legal saber disso. E continuo abrindo portas em lugares que ninguém nunca imaginou que poderiam se abrir. Entrei dentro da Febem e mudei a Febem. Estou dando aula para mais de duas mil crianças, com mais de 40, 50 professores, tanto para manos completos, complexos, profundos. Quando digo . Estética: de Platão a Peirce. São Paulo: Experiência que me assusto, porque é tudo através da dança. Eu não tenho outro caminho, a não ser através da dança.
Umberto da Silva: Eu costumo trabalhar a tolerância e a delicadeza, meus dois temas. Contribuo para a reflexão sobre o movimento... Nos meus cursos, sem- pre passo bastante por verbo, o que talvez seja a nossa chave para a arte: que é o permitir, permitir-se. Nesses momentos, faço a pessoa se permitir fazer, experimentar, se envolver... refletir.

Referências

BERNARD, M. Le corps. 2. ed. Paris: Seuil, 1995. FOSTER, S. Corporealities: dancing knowledge, culture and power. Chicago: Routledge, 1995.

Créditos

Revisão técnica/tratamento dos textos-depoimen- tos: Arnaldo Alvarenga.
Transcrição de depoimentos: Cristiane Wilson, Ma- ria Regina Carriero e Yeda Branco Portero Peres (Curso Dança/Universidade Anhembi-Morumbi).

“Modos de fazer” dança no Brasil, quatro traçados
Texto de Cássia Navas
@copyright Cássia Navas
Publicado na Revista REPERTÓRIO Teatro – Dança, Ano 13 - Número 1, PPG Artes Cênicas/UFBa, 2010.

 






 















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