Pular para o conteúdo principal

Postagens

E então, talvez, eu tenha um sentimento de mortalidade todo o tempo. Mas você está ciente da morte da mesma forma como está ciente da vida. Você está ciente da morte como se fosse jogar uma moeda- cara e coroa, vida e morte. E eu estou bem ciente disso tudo sobre as pessoas, e sobre mim também. Eu sempre me surpreendo quando eu acordo pela manhã. Esta frase é do pintor britânico Francis Bacon (1909-1992), tema deste espetáculo de dança, através da tradução de algumas de suas principais obras. Delas podemos entrever fragmentos nesta criação dirigida por Johann Kresnik e coreografada por Ismael Ivo, artista de São Paulo, que por sua arte, marca os palcos da dança de muitos lugares do mundo. É uma dança-teatro que traduz uma obra pictórica e o contexto que a engendrou, por isto vale a menção da frase acima, pensamento sobre vida-e-morte do artista plástico, que se surpreendia “por acordar vivo”, despertando para uma vida árida, mas recheada de arte - árida e violenta-   como o cotid
Postagens recentes

Rio Cor de Rosa, Cia de Dança do Teatro Alberto Maranhão

  Em 2021, a Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão festejará seus 23 anos como importante instituição da dança do país. Uma companhia que se considera, ao lado de outros grupos públicos, como uma usina de arte e uma rede onde se encarnam possibilidades criativas a nutrir suas plateias, criadores e seus intérpretes. A obra “Rio Cor de Rosa”, que assistimos em dança-documentação, com captação de imagens por única e frontal câmera, constitui-se em uma destas possibilidades. Trata-se duma estreia de 2011, fruto da criação de oito intérpretes do grupo, a partir de concepção e direção coreográfica de Clébio Oliveira, que também assina a dramaturgia da obra, ao lado de Daniela Fusaro. A concepção deste rio tem foco na presença do sonho na experiência humana, tendo-se como ponto de partida questões psicológicas e neurológicas, o que já traz para este laboratório uma imensa ganha de abordagens. Apesar disto, a obra vai deixando visível a opção para fechar-se seu foco de origem na at

Dançar Álbuns Inteiros "ficção", de Álvaro Dantas

  “Dançar Álbuns Inteiros”, de Álvaro Dantas, foi proposta desenvolvida a partir de novos espaços-palcos, laboratórios possíveis no confinamento da pandemia mundial Covid-19. Atuar coreograficamente tendo como base todas as canções de álbuns foi base da investigação e por isto a expressão   “álbuns inteiros” faz parte do título da obra. Neste vídeo, a origem foi o álbum “Ficção”, da cantora Simona Talma, o projeto apontando para seminais debates da dramaturgia, sobretudo aqueles sobre o significado das palavras para/na arte da dança, em debates históricos que se dão desde sempre ao longo de sua existência como arte da presença. Coreografar canções, que articulam música e letra, sempre será um desafio,   sobretudo se as obras se apresentam frente a plateias que compartilham com os bailarinos a mesma língua de origem. Desfio maior será se artistas e publico também já conhecerem as letras sobre as quais se estruturam as coreografias. Se por um lado esta opção potencializa a comuni

Goldfish, de Alexandre Américo

  Na abertura de “Goldfish”, em 2020 reconfigurado para  o modo remoto, estamos como que imersos em um ambiente aquoso azul, habitado por um vermelho-dourado. Silenciosamente se apresenta, sobre uma parede, uma projeção desfocada (aquário + peixe dourado). Ela demora a se revelar a sua concretude. Matamos a charada pela aparição de índices que nos remetem à uma parede, janela e cortina branca. Aparentemente estamos frente a uma obra que   não ocorre num palco. A partir daí, as sequências vão nos convocando a outro tipo de observação, frente a uma casa-aquário, que tem como uma de suas paredes (uma quarta parede?) a tela pela qual recebemos a obra. O estado de imersão inicial se manterá quase até o final deste solo-live de Alexandre Américo, a partir de um tempo-espaço por ele construído e também pela câmera que, ao captar imagens, dança com o bailarino, ambos a nos propor dinâmicas de contemplação. Nesta   videodança,   obra de dança, Américo se apresenta peixe-dourado imerso e

Querendo... Entre Nós Coletivo de Criação, coreografia de Henrique Rodovalho

  “Querendo…” é uma criação de Henrique Rodovalho para o “Entre Nós Coletivo de Criação”, nesta obra composto por três interpretes em cena: Anádria Rassyne, João Alexandre Lima e Tházio Menezes. A ela temos acesso por uma filmagem feita sem plateia, e que nos coloca, enquanto espectadores de uma videodança/dança filmada, a assistir o espetáculo por muitos ângulos. O câmera que assina a captação das imagens participa do fluxo dos movimentos, também compondo-os para nossa contemplação. Neste sentido, sua atuação acrescenta novas camadas dramatúrgicas ao que se assiste, desvelando-nos um tanto mais da escritura artística de Henrique Rodovalho, um dos grandes artistas de nossa dança. A obra coloca em cena um trio - dois rapazes e uma moça- e entre eles estabelecem-se dinâmicas de sedução compostas de vários matizes. Nelas o desejo por outrem configura-se em gestualidade mais explicitamente individual e em dinâmicas de duos, trios e solos, ou seja mediante uma assinatura coreográfica

Die Einen, Die Anderen - Companhia Giradança

  Desde 2005, a Companhia Giradança consolida-se como um fundamental grupo para a dança do Brasil, de Natal, espraiando sua obra pela arte de bailarinos de múltiplas competências, reunindo artistas com e sem deficiência. Estreada em 2017, a obra “Die einen, die anderen", é fruto de uma cooperação entre esta companhia do Rio Grande do Norte e a Cie. Toula Limnaios (Berlim) através da qual quatorze bailarinos, sete de cada grupo, trabalharam entre Brasil e na Alemanha. O ponto de partida foram questões que apontassem para dinâmicas de alteridade (o que é um + o que é outro?), tendo-se como pano de fundo certas reflexões do filósofo francês Michel Foucault em torno do corpo e suas “heterotopias”, apontando-se a pluralidade como elemento que deva estruturar um “corpo utópico”, projetado num devir diverso. Apesar de termos quatorze intérpretes envolvidos no projeto, no espetáculo muito bem captado/editado em vídeo numa récita no Teatro Halle TanzBune (Berlim) estão somente os sete

O Corpo é uma Farsa, de Anízia Marques Cia de Dança

“O Corpo é uma Farsa” é um duo de João Alexandre Lima e Anízia Marques, que dá nome à companhia pela qual se apresenta a obra, numa criação do próprio João Alexandre.  Estreado em 2017, apresenta-se como um vídeo-documentação em dança, suas imagens captadas por um única câmera, o que dificulta uma visão mais plural de suas estruturas, restando ao espectador (sim, assistimos a esta obra por uma tela) ver, mas também  buscar entrever mais dos conteúdos que acessa. Num primeiro momento, tons de luzes ocre e azul nos fazem prestar atenção num palco escuro sendo palmilhado pelos dois interpretes, que arranjam seus objetos de cena. Logo depois duas cadeiras e artistas se perfilam, frente-a-frente, num encarar-se (em muitos sentidos) que vai ser linha de condução da obra. Nas cadeiras os bailarinos estão de perfil, e de certa forma, pelos gestos, desenhados a partir do cotidiano- cozinhar, fumar, escovar os dentes- , um perfil cênico de cada um poderia ser mais bem esboçado, caso esta gestual